Língua Portuguesa

Órgão e ímã são palavras com dois acentos gráficos?

Li a seguinte pergunta em uma famosa rede social: “Existem outras palavras que possuem dois acentos além de imã? Imediatamente, lembrei que a mesma confusão acontece em relação a órgão. Ao contrário do que acontece na língua francesa, as palavras da língua portuguesa não são duplamente acentuadas. TIL (~) não é um acento, mas um sinal diacrítico que é usado para indicar, em algumas palavras, a nasalidade.

O que é um sinal diacrítico?

São chamados de sinais diacríticos todos os acentos (agudo, circunflexo e grave), o trema (abolido pelo Acordo Ortográfico de 1990), a cedilha e o til.

Sobre acentuação tônica e acentos gráficos

Apesar dos mais de cem comentários com a explicação “Não há palavras com duplo acento em língua portuguesa”, ainda houve quem tentasse argumentar (equivocadamente!) que se a “sílaba tônica tem til, logo é til um acento…”. Precisamos voltar ao básico sobre acentuação tônica e acentos gráficos.

Como eu já expliquei diversas vezes aqui no blog, todas as palavras são acentuadas, mas nem sempre o acento é marcado na escrita. Quem acompanha o Conversa de Português (ou fez um bom Ensino Fundamental) sabe que, na nossa língua, apenas a minoria das palavras recebe acento gráfico (Você pode conferir isso apenas passando os olhos por este texto!).

Leia o que escrevi em meu texto “Que negócio é esse de gritar para descobrir a sílaba tônica”:

“Todas as palavras são acentuadas, porém apenas algumas têm tal acento representado na escrita. por isso  que  falamos de acento tônico acento gráfico. O primeiro recai sempre sobre a sílaba que exige maior esforço expiratório da voz (e isso  não tem nada a ver com  gritar, nem mesmo mentalmente);  já  o  segundo mostra, por meio da escrita, qual é essa sílaba.”

Em palavras como mão, pão, não, temos monossílabos formados pelo ditongo nasal -ão. É o mesmo ditongo que aparece em sótão, acórdão, Cristóvão, bênção, Estêvão e tantas outras.

Por que usamos o til?

Em língua portuguesa, existem sons orais e sons nasais. O til (~) é usado, nessa língua, para indicar a nasalidade das vogais “a”, “e” e “o”. Confira como o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da UFMG apresenta a definição de “nasalidade”:

“O termo nasal é usado na classificação fonética dos sons da fala. Refere-se ao modo de articulação dos sons quando o palato mole se abaixa permitindo que o ar passe, de maneira auditiva, através do nariz. Qualquer som pode ser nasal, seja ele consonantal ou vocálico. A nasalidade consonantal, na nossa língua, se manifesta no /m/ (lama, mato); no /n/(fino, nulo); no /ɲ/, representado pelo dígrafo “nh” (banho). Em contrapartida, todos os sons vocálicos podem se manifestar com o traço nasal. Há controvérsias teóricas a respeito das vogais que se apresentam com sons nasais. Uma vertente considera que são intrinsecamente nasais, outra analisa como sons orais que recebem o traço nasal. Neste texto, são chamadas de vogais nasais as que demandam seu registro seguido das letras consoantes nasais na mesma sílaba, formando com elas um dígrafo (cinto; sempre), e as que são registradas com til (fã). São consideradas, aqui, como vogais nasalizadas as que assimilam a nasalidade da consoante nasal presente no início da sílaba seguinte (fome, cana). O fenômeno de assimilar a nasalidade do ambiente fonético sofre influências, entre outras, tanto de fatores morfológicos quanto de fatores sociais. Por exemplo: na palavra “caminha” (substantivo, diminutivo de cama), o primeiro “a” é nasalizado, mas em “caminha” (verbo caminhar), o primeiro “a” é oral. No Sudeste do Brasil não se costuma nasalizar o primeiro “a” da palavra “canoa”, mas no Nordeste, sim.”

Voltemos à pergunta do título: “Órgão” e “ímã” são palavras com dois acentos? Não! Anote e pendure o papel na geladeira: TIL NÃO É ACENTO!

Leia também no blog:

Que negócio é esse de gritar para descobrir a sílaba tônica?

Referências:

NASALIDADE. In GLOSSÁRIO CEALE: Termos de alfabetização, leitura e escrita para professores. Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/nasalidade. Acesso em 04 ago 2021.

8 Comments

      1. Creio que a palavra “cocô” não seja nem dicionarizada, pelos menos, nos dicionários sérios, e que também não tenha valor gramatical.

  1. Nunca em toda a nossa história escrevemos tanto como nos dias atuais.
    Obs. estamos escrevendo mais, com certeza, mas de uma maneira muito descomprometida com a forma culta da lingua que, a cada dia, é desprezada e ignorada por pessoas que escrevem diariamente nas redes sociais. Não que devemos escrever rebuscadamente, não é isso, mas que pelo menos o básico deveriamos, todos nós, observar e o que mais incomoda e o estrangeirismo que virou moda em nossa lingua tão bonita.

    1. Oi, Evaldo, tudo bem? Esse texto específico não é exatamente sobre escrita, mas sobre uma dúvida ortográfica que surgiu em um grupo no Facebook.
      Eu não posso afirmar que escrevemos mais; confesso que leio muitas pesquisas sobre leitura, mas não estou muito atenta às pesquisas sobre escrita (falha minha…).
      Quanto aos estrangeirismos, responderei o mesmo que respondi naquela rede social: “pode chorar, fazer birra, espernear, bater com a cabeça na parede”! Os empréstimos linguísticos são um processo natural na mudança das línguas. Veja o que escrevi no texto “Não, não estão tentando matar a língua portuguesa”. Desconfie da formação do profissional de Letras que concordar com essa ideia de que os empréstimos linguísticos estão “matando” a língua, porque ele certamente matou alguma aula na faculdade…

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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