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Contos e lendas afro-brasileiros:a criação do mundo

Cosmogonia, segundo o dicionário Houaiss, é o “conjunto de doutrinas (míticas ou científicas) que se ocupa de explicar a origem do universo”.  Homero apresenta, na Ilíada,  Oceano  e Tétis como  o  par divino primordial, a partir do  qual todas os outros seres teriam sido criados; diversas lendas indígenas contam a criação dos  homens, das estrelas, do dia, da noite e dos homens; na tradição judaico-cristã,  “a terra era sem forma e vazia, as trevas cobriam o  abismo e o  vento de Deus pairava sobre as águas”(Gênesis 1,2).  O livro Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo, escrito por  Reginaldo Prandi e ilustrado por Joana Lira, conta a criação do mundo  sob o  ponto de vista da cultura africana.

Reginaldo  Prandi é autor de outros livros cujo  tema é a cultura africana: Mitologia dos Orixás; Ifá, o adivinho; Xangô, o trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Morte dos búzios. Em Contos e lendas, o  autor apresenta a cosmogonia africana por meio do sonho  de Adetutu, negra acorrentada em  um navio negreiro rumo  ao  Brasil. Apesar de lhe terem  tido a liberdade de abraçar os pequenos Taió e Caiandê, “não tinham lhe tirado tudo; ela tinha suas memórias, sabia quem era, de onde vinha. Tinha orgulho de sua origem nobre, de seus deuses, de seus ancestrais, que venerava com desvelo  sincero […] Seu  nome significava A-Coroa-é-paciente, ou  A-princesa-sabe-esperar. Ela resistiria”. Nesta obra de ficção baseada na mitologia africana, conhecemos a história da menina Adetutu  que, adulta, torna-se a mãe Conceição, fundadora do Candomblé brasileiro (Uma nota no final do  livro indica ao  leitor que esta “fundação” é  fictícia, assim como  a narrativa em que está inserida). De acordo  com a indicação do autor, “sabe-se que aquele que seria o mais  antigo terreiro brasileiro de culto aos orixás teria sido inaugurado por volta do ano de 1830, na cidade de Salvador, Bahia, no dia em que se celebrava, nas igrejas, a festa de São Pedro, com o  orixá daquele primeiro templo é sincretizado. […] Mas há  outras versões.”

O  apêndice intitulado Da África para a América explica ao leitor  o que e quem  são  os  orixás e de que partes da África vieram  os negros que trouxeram ao Brasil o culto  a essas entidades; as diferentes denominações do  culto africano  praticado no  Brasil e o  surgimento  da umbanda como sendo o encontro do candomblé (de origem africana) com o espiritismo (de origem francesa).  Cinco quadros apresentam as características principais dos deuses africanos, comparando-os a outras culturas.  O livro  é ilustrado  com  desenhos de Joana Lira e contém  também  fotografias de “filhos  de santo […] fotografados em  momentos rituais em que, em  transe, incorporavam seus orixás.”

Uma das atuais preocupações do professor que atua no  Ensino  Médio é a aplicação da Lei 10.639/08, que determina o ensino de culturas africanas e afro-brasileiras. Além da narrativa envolvente Contos e lendas afro-brasileiro contém  um valioso material  que pode ser explorado  em  sala de aula pelos professores de Literatura, Sociologia e Filosofia.  Há  alguns dias, em uma palestra cujo  tema era aquela lei, eu dizia aos professores que me ouviam que “professor não tem religião”, a medida em que temos de nos “despir” parcialmente de nossas verdades religiosas para compreender as verdades dos nossos alunos.   A dificuldade encontrada no  cumprimento da Lei 10.639 relaciona-se a vários fatores e podemos destacar dois: a formação do  professor que  não estava preparado  academicamente para cumpri-la e a resistência que enfrentamos  para abordar culturas diferentes da nossa. O  livro de  Reginaldo  Prandi é um excelente material para provocar discussões nas salas de aulas e fora delas.

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Referência bibliográfica:

PRANDI, Reginaldo. Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 223p.

Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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