Literatura

14 de março é mesmo o Dia Nacional da Poesia?

14 de  março  é  considerado o  Dia  Nacional da Poesia, em homenagem a Antônio Frederico de  Castro Alves, nascido em 1847.  O poeta  foi  um dos  maiores  nomes do Romantismo brasileiro e  uma  das  principais  vozes a favor da abolição da escravatura.  Na  verdade,  existem  outras  datas  em  que a  poesia  é  celebrada e, no  Brasil, existe  uma grande  polêmica  sobre isso: o  dia 14 de  março  nunca  foi  oficializado! O Projeto de Lei 3308, de 6 de maio de 1977,  que propunha a data, foi arquivado dez anos depois!

Pode parecer  estranho, mas temos   um outro suposto Dia  Nacional da  Poesia: 20 de  outubro.  A data  marca a fundação, em  1976,  do Movimento Poético Nacional.   Naquela  ocasião, reuniu-se  um grupo de poetas  na  casa do jornalista e poeta modernista Menotti  del  Picchia, com  o  propósito de  organizar  saraus públicos e  promover as  obras de  poetas  e músicos. O Movimento  Poético Nacional  é presidido atualmente por Walter Argento.

 

BELEZA
Menotti del Picchia

A beleza das coisas te devasta
como o sol que fascina mas te cega.
Delas contundo a luminosa entrega
nunca se dá, melhor, nunca te basta.

E a imensa paz que para além te arrasta
quanto mais se te esquiva ou te renega…
Paz tão do alto e paz dessa macega
que nos campos esplende à luz mais casta.

A beleza te fere e todavia
afaga, uma emoção (sempre a primeira e nunca
repetida) que conduz

o teu deslumbramento para um dia
à noite misturado, na clareira
em que te sentes noite em plena luz.

Embora o  MNP considere o   20 de  outubro uma data de  comemoração  nacional,  não existe  nenhuma lei  federal  que  a  respalde. Na  capital paulista, sede do Movimento, a Lei nº 8.630 de 1º de outubro de 1977 institui o 20 de outubro como o Dia da Poesia em São Paulo. Também no  estado do Rio de Janeiro,  há uma lei  semelhante datada de 1978.

Na década de 1970, houve uma   tentativa frustrada de  oficializar o  20 de outubro como data nacional. O Projeto de Lei 3969/77, de  autoria do deputado  Gioia Jr – Arena  foi arquivado em 24 de novembro de 1980, mesmo com o parecer favorável, na época, dos então senadores Franco Montoro e Pedro Simon.

Em  19 de abril, aniversário do modernista Manuel Bandeira, é celebrado o Dia do Poeta, data proposta pelo Projeto de Lei Nº 770 de 2007, de  autoria do deputado  Inocêncio Oliveira,  que  aguarda a apreciação do Senado; ou seja, a data também  não  é oficial!

 

MENINOS CARVOEIROS

Manuel Bandeira

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
– Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe,
dobrando-se com um gemido.)

– Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles…
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

– Eh, carvoero!

Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarrapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos
desamparados!

Petrópolis, 1921.

 

Atualmente, transita no  Congresso  Nacional  o Projeto de Lei 3694/12, de autoria do senador Álvaro Dias, uma homenagem a   Carlos Drummond de  Andrade.  O  projeto ainda  não   foi julgado pela   Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

A Máquina do Mundo

Carlos Drummond de Andrade

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em corte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

 Existe, ainda,  o  Dia  Mundial da Poesia: 20 de  março. A data foi criada em 16 de  novembro de 1999,  durante a  30ª  Conferência  Geral da  UNESCO –  Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

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Para  você, leitor, o  que é  poesia?  Qual  é  o seu  poema preferido? Responda nos comentários e deixe  um pouco de  poesia aqui no  blog!

Leia mais:

Análise do poema  Canção do africano, de Castro Alves

Referências:

ANDRADE,  C.D. Máquina do mundo. Disponível em:  <http://www.releituras.com/drummond_amaquina.asp>  Acesso em 14  mar  2015

BANDEIRA,  M. Meninos  carvoeiros.  Disponível em <http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=649&sid=249> Acesso em 14  mar 2015

PICCHIA,  M.  Beleza.  Disponível em <http://www.jornaldepoesia.jor.br/mpicchia05p.html>. Acesso em 14 mar. 2015

Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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