A gramática tradicional: História crítica, resultado da tese de doutorado do professor Francisco Eduardo Vieira, propõe a discussão sobre a gramática tradicional desde o seu conceito até a sua abordagem nas práticas escolares.
É muito comum o uso do termo gramática, embora a maioria das pessoas desconheça os diversos significados que lhe podem ser atribuídos: 1) conjunto de regras que definem o funcionamento da língua; 2) as normas reguladoras da norma culta; 3) um método científico de investigação das línguas; 4) uma disciplina escolar e 5) um livro que descreve e normatiza o uso da língua.
Por Gramática Tradicional, compreendemos um modelo de análise linguística criado na Grécia por volta do século II a.C. e consolidado pelos romanos; modelo este que foi replicado para a análise das outras línguas ocidentais e se tornou uma doutrina gramatical. Ao escrever a Apresentação do livro, o autor considera a GT “um saber, por razões, muito curioso”, visto que ainda persiste, apesar das limitações conceituais e empíricas. Uma crítica muito interessante feita pelo autor é a de que, apesar do desenvolvimento das pesquisas acadêmicas, a abordagem da gramática tradicional, resiste ainda nos meios escolares. Esse questionamento aparece em obras de outros autores publicados pela Parábola Editorial, responsável pela edição de A gramática tradicional: História crítica. Está presente, por exemplo, em Língua, texto e ensino, e Muito além da gramática, de Irandé Antunes; Português ou brasileiro, de Marcos Bagno, Português no Ensino Médio e a formação do professor, organizado por Clecio Bunzen e Márcia Mendonça.
Para tratar da GT, o professor utiliza como referencial teórico o conceito de gramatização de Sylvain Auroux: “o processo que conduz a descrever e instrumentalizar uma língua na base de duas tecnologias […]: a gramática e o dicionário” . (p. 09). Auroux discutiu, em seus estudos, a publicação de gramáticas de diversas línguas, a partir de uma mesma tradição de descrição linguística: aquela herdada dos gregos. Partindo desse referencial, o autor passa a construir, então, a noção de paradigma tradicional de gramática (PTG).
Nos capítulos 1 a 4, aborda-se a tradição gramatical e a história dos estudos linguísticos. Neste grupo, chama atenção a exposição, no primeiro capítulo, sobre as bases filosóficas da doutrina gramatical: a linguagem, como um dos aspectos do conhecimento humano, era parte dos estudos da filosofia, embora o interesse estivesse relacionado à questões externas como o contato entre as línguas de povos diferentes e a observação dos diversos dialetos da língua grega. Segundo o autor, somente com os estoicos, no século III a.C., os estudos de linguagem passam a ser realizados de maneira organizada e passam a “tratar da pronúncia, da etimologia e da gramática (classes de palavras e paradigmas flexionais)” (p. 24).
No capitulo 2, o professor trata, entre outros aspectos, do início do PTG: a Tekhnē Grammatikē, de Dionísio Trácio, que veio a se tornar um modelo para organização das gramáticas europeias elaboradas depois dela. A influência da obra de Dionísio foi tão significativa que a palavra “arte” (tradução de Tekhnē ) foi utilizada em diversos outros compêndios da mesma natureza, como, por exemplo, Arte da Grammatica da Lingoa mais usada na Costa do Brasil, do padre José de Anchieta (escrita de 1554 a 1556). Neste capítulo, o pesquisador destaca a abordagem da frase e da palavra como objetos de estudo linguístico; influência que ainda persiste em muitas gramáticas contemporâneas e em muitos livros didáticos adotados pelas escolas.
Nos 5 a 8, Francisco Vieira faz a crítica das gramáticas produzidas em Portugal desde o século XVI e no Brasil a partir do século XIX. Destaco o capítulo 5 (“Primeiros instrumentos de gramatização do português”) por trazer duas epígrafes bastante significativas para propor a reflexão sobre o ensino de língua portuguesa: um trecho da obra Aparição, de Vergílio Ferreira, e Aula de português, de Carlos Drummond de Andrade. Em ambos, há a presença de um indivíduo representando o aluno em um processo de estudo por meio do qual a língua surge como algo distante a que ele não pode alcançar e é, portanto, “ignorante”. Os dois textos literários selecionados trazem a imagem do aluno que “não sabe português”, porque o “saber português” é entendido, equivocadamente, como saber apenas a gramática tradicional. Cabe destacar uma observação que o professor faz acerca dos trabalhos publicados nos dois países: a produção das gramáticas estava em “conformidade com o discurso nacionalista e ufanista português”. No capítulo 6, destaca-se a situação do Brasil e a política linguística do Marquês de Pombal, que proibira o uso da língua geral ─ tentativa de uniformizar os os falares indígenas predominantes na costa brasileira ─ e estabelecera o uso exclusivo da “língua do príncipe”. O último capítulo à construção do conceito de Paradigma Tradicional de Gramatização , modelo de gramática que chegou a diversas civilizações.
A gramática tradicional: História é um livro de especial interesse para os profissionais de Letras, por promover direta ou indiretamente uma reflexão acerca do ensino de língua portuguesa. Vale a pena assistir ao bate-papo transmitido pela Parábola Editorial na terça-feira, 24 de abril, e apresentado pelo editor Marcos Marcionilo:
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