Caio Fernando Abreu, Cora Coralina, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e até o padre Fábio de Melo viraram moda nas redes sociais. Uma enxurrada de frases é atribuída equivocadamente a esses e a diversos autores. Não é a primeira vez, no entanto, que fenômeno semelhante acontece.
Em artigo publicado na Revista Língua Portuguesa – Especial Etimologia, o professor Luiz Costa Pereira Junior publicou o artigo Apropriação indébita em que discutia a verdadeira origem de sentenças “erroneamente atribuídas a autores famosos”. No texto, publicado em março de 2007, o autor cita exemplos como Voltaire, Galileu Galilei, Churchill e Gregório de Matos Guerra.
Segundo o professor, a frase “Não concordo com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo” nunca foi proferida pelo iluminista Voltaire; ela teria sido inventada, em 1906, por sua biógrafa Evellyn B. Hall que escrevia com o pseudônimo S.G. Tallentyre. Ao francês também foi atribuída a sentença “Deus está sempre ao lado dos grandes batalhões”, que originalmente seria “Dizem que Deus está sempre ao lado dos grandes batalhões”, que semanticamente não é a mesma coisa.
Pereira também lembra o episódio do julgamento de Galileu Galilei, ocasião em que o cientista, obrigado a renunciar a sua teoria do heliocentrismo – em que a Terra se move em torno do Sol – teria murmurado “E, contudo, ela se move!”. Ninguém ouviu a frase, mas o mito se espalhou do mesmo jeito e o fato é que Galileu estava certo.
Winston Churchill – ministro da Inglaterra durante a Segunda Guerra – devia ser um ávido leitor. Luiz Pereira escreve que a expressão “sangue, suor e lágrimas” atribuída ao político já fora usada por Lord Byron, que a teria lido em John Donne. Junior cita ainda a carta-testamento de Vargas – verdadeiramente escrita por José Soares Maciel Filho, presidente do BNDES entre 1951 e 1954; o presidente teria encomendado o texto para ser lido em sua renúncia e não para ser usado como uma despedida de suicida.
Outra citação que já ganhou status de tradição, mas que não foi lembrada pelo professor Pereira Junior, é “Os fins justificam os meios”, que teria sido escrita por Niccolò Machiavelli em sua obra-prima O príncipe. Neste caso, a frase não existe no texto maquiavélico (nem no original italiano, nem em sua tradução em língua portuguesa). O livro foi criado pelo escritor para ser um tratado sobre política dedicado ao príncipe Lorenzo di Medici il giovane e apresentava os meios para governar bem. O “fim” seria a paz, a união do reino e a obediência dos súditos; os “meios” seriam as estratégias sugeridas para alcançá-los. A famosa frase resume, portanto, a totalidade da obra.
De acordo com pesquisa divulgada pelo Facebook, a rede social criada por Mark Zuckerberg tem, somente no Brasil, mais de 37 milhões de usuários. Antes mesmo de a rede virar essa “febre”, os brasileiros já eram adeptos de compartilhar citações por e-mail. Talvez, o caso mais famoso seja o texto sobre o Big Brother Brasil divulgado desde 2010 como se tivesse sido escrito por Luiz Fernando Veríssimo. A crônica era estranha e continha estilo e vocabulário incomuns para as obras verdadeiras do escritor. O caso ganhou as mídias e ele mesmo acabou por se defender: ele não era o autor e sequer via o BBB.
Referência:
MACHIAVELLI, N. Il Principe. Milano: Feltrinelli, 2006.
PEREIRA Jr., L.C . Apropriação indébita. Revista Língua Portuguesa Especial: etimologia 2. Ano II março 2007
Oi, Andrea,
descobri seu blog hoje, muito legal. Tenho um vídeo-blog sobre aprendizagem também, só que mais geral. Acho que a Internet está tornando essa coisa das citações uma loucura… o pessoal mais novo inclusive tem uma certa dificuldade de compreender o significado de plágio, de tão acostumados a copiar-colar…
É importante mesmo chamar a atenção para esse fato.
Parabéns pelo seu blog,
Ana
Ana, obrigada por sua visita ao Conversa.
Você tem razão ao dizer que os mais novos não compreendem bem a questão do plágio, mas nem sei se isso se aplica à discussão do texto. O que se discute aqui é o inverso: frases produzidas por anônimos “empolgadinhos” que atribuem a autoria de qualquer bobagem a autores consagrados. O problema é que, nas redes sociais, compartilha-se qualquer coisa como verdade absoluta. Penso que o Facebook, por exemplo, está virando um livrão de autoajuda (com toda a carga pejorativa que o termo pode ter).
Tem razão Andrea, o que temos aqui é um problema inverso, mas eu acho que é relacionado. A questão é entender a importância da atribuição *correta* de autoria. No caso do plágio, usa-se o texto de alguém indevidamente, nesse caso, usa-se o nome de alguém indevidamente.
Obrigada pela resposta.
Ana