Literatura

Literatura brasileira e o 13 de maio

Em  13 de maio de  1888, a  Lei  Áurea foi  assinada pela Princesa Regente Isabel de Bragança; era um anseio dos negros escravizados e resultado  de uma sequência de outras leis que, aos poucos,  encerravam  o comércio de  escravos: a Lei  do Ventre Livre declarara livres os  filhos de escravas nascidos a partir  de 7 de  novembro de 1831;  a  Lei  Eusébio de Queiroz,  promulgada em 4 de setembro de  1850 proibira a importação de escravos para o  Brasil; a Lei dos Sexagenários, de  28 de setembro de  1875, libertara todos os negros maiores de 60 anos. D. Isabel ficou conhecida como A Redentora, embora  saibamos que a libertação dos escravos fora impulsionada mais por razões políticas e econômicas do  que humanitárias. A história da literatura brasileira contém  diversos  exemplos de autores que  usaram  o  negro como  tema de seus textos.

A literatura  brasileira do  período  colonial  pouco – ou quase nada –  mostrou  da cultura negra.  No  século XVII, o poeta barroco Gregório de Matos Guerra  expôs o  modo  como  os  senhores  enxergavam seus escravos:

Que falta nesta cidade?… Verdade.
Que mais por sua desonra?… Honra.
Falta mais que se lhe ponha?… Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?… Negócio.
Quem causa tal perdição?… Ambição.
E a maior desta loucura?… Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quem são seus doces objetos?… Pretos. 
Tem outros bens mais maciços?… Mestiços. 
Quais destes lhe são mais gratos?… Mulatos.

Dou ao demo os insensatos, 
Dou ao demo a gente asnal, 
Que estima por cabedal 
Pretos, mestiços, mulatos. 

O  tema  só   foi  realmente  valorizado na segunda metade do  século  XIX, quando  nossos escritores aliaram-se à causa abolicionista. A literatura romântica foi  usada como instrumento  de divulgação da causa.  A  poesia social de Castro Alves, poeta da terceira geração  romântica, denunciava  os  maus tratos nos porões dos navios e retratava o desejo de  liberdade, como no poema  A cruz na estrada.

Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

Quando, à noite, o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.

castigo-Debret
Castigo de Escravos. Jean-Baptiste Debret

Cruz e Souza, o  poeta mais  importante do  Simbolismo brasileiro,  intensificou  sua  luta contra  a  escravidão após  ter  sido  impedido de  assumir  um  cargo público na cidade  de  Laguna. É de  sua autoria  Tropos e fantasias (1885), volume escrito em parceria com Virgílio  Várzea, em  que mostrava-se espantado  com a  postura da Igreja diante da escravidão:

Um padre escravocrata!… Horror! Um padre, o apóstolo da Igreja, que deveria ser o arrimo dos que sofrem, o sacrário da bondade, o amparo da inocência, o atleta civilizador da cruz, a cornucópia do amor, das bênçãos imaculadas, o reflexo de Cristo…

Um padre que comunga, que bate nos peitos, religiosamente, automaticamente, que se confessa, que jejua, que reza o – Orate Frates, que prega os preceitos evangélicos, bradando aos que caem surge et ambula.

Um escravocrata de. . . batina e breviário. . . horror!

Fazer da Igreja uma senzala, dos dogmas sacros leis de impiedade, da estola um vergalho, do missal um prostíbulo…

Um padre amancebado com a treva, de espingarda a tiracolo como um pirata negreiro, de navalha em punho como um garoto, para. assassinar a consciência.

No  século XX,   Gilberto  Freyre retratou  as relações entre negros e senhores no célebre livro Casa Grande & Senzala; Jorge Amado difundiu a cultura negra baiana em todos os  seus  livros. A religiosidade trazida pelos africanos apareceu  em textos como  Tereza  Batista  cansada de guerra, Pastores da noite, Mar morto, Capitães da areia Tenda dos milagres.

Com a promulgação da Lei  nº  10.369, o estudo da história e cultura africanas passou a  ser obrigatório nas escolas. Além da leitura de textos como os que foram citados neste post,  é possível  realizar ações que  permitam  a reflexão  sobre a  cultura negra e sua influência em diversas áreas de conhecimento.

Leia mais  no  blog:

Cultura negra e literatura 

Consciência negra e literatura brasileira

África na escola

África no português  falado  no  Brasil

Língua portuguesa na África

 


Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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