No dia 04 de janeiro de 2016, foram divulgadas as imagens de um livro didático distribuído pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Os pais de uma escola da rede denunciaram que o material didático continha um erro de português: em lugar de pães, lia-se pãos. Percebi que era necessário escrever sobre isso no Conversa de Português.
Quando ouvi a notícia, lembrei de uma das minhas turmas do Ensino Médio e de uma pergunta que me fizeram: “Professora, por que o plural de mão é mãos e o de pão é pães?”. Lembro ter dado a seguinte resposta: “A culpa, lindinhos, é do latim!”.
O que o latim tem a ver com isso?
Como sabemos, a língua portuguesa é uma das línguas neolatinas ou românicas; isto é, assim como o italiano, o francês, o espanhol, o romeno, o português provém da língua latina. Como nos ensinam os pesquisadores, em língua portuguesa, o plural é indicado pela desinência -s ou -es. Esses elementos representam a terminação do acusativo plural latino. Naquela língua, as funções sintáticas são reconhecidas por suas desinências – bem diferente da língua portuguesa – e podemos dizer que o acusativo corresponde ao nosso objeto direto (complemento do verbo transitivo direto).
Por que o plural de pão é pães?
A língua portuguesa também herdou palavras terminadas em sons nasais representados de formas diferentes na escrita. Isso significa que as terminações latinas -anu, -one, -udine resultaram, em português, respectivamente -ão , -am, -om, pois a nasalidade foi transferida para a vogal. Veja nos exemplos em nossa tabela e note que pão é panes em latim.
Por que, então, o plural de mão é mãos?
Como observamos, pão flexiona em número como pães, pois a palavra plural original latina era panes. Explicação diferente tem o grupo órfão, sótão, irmão, chão, mão; nessas palavras e outras semelhantes apenas acrescentamos a nossa desinência -s. Etimologicamente, podemos concluir que tais palavras originam-se de vocábulos latinos terminados em –anus: mão, mãos; irmão, irmãos. Em língua latina, a expressão frater germanus designava o irmão filho do mesmo pai e da mesma mãe; mão e mãos originam do vocábulo latino manus.
E por que o plural de mãe é mães?
Mãe tem origem na forma latina matrem, que é uma forma singular do acusativo da língua latina. Anteriormente, explicamos que os plurais portugueses vêm da forma plural latina, lembra? Observe que também temos um som nasal; no entanto, em língua portuguesa, apenas acrescentamos a desinência -s para formar o plural.
Por que, então, algumas palavras com ditongo nasal -ão contêm mais de um plural?
Em português arcaico (etapa da língua portuguesa que vai do século XII ao XVI), era possível encontrar mais de um plural para a mesma palavra, apesar da etimologia; por esse motivo, ainda temos na língua moderna palavras com dois ou três plurais:
Referências bibliográficas:
COUTINHO, I.L. Pontos de gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1995.
Aí, amei a profundidade desse texto! Coçou minha coceira linguística, obrigado!
Arthur, obrigada pela visita!
Muito, gostei do site e vou continuar lendo e pesquisando.