A série ENEM – Questões comentadas foi criada no blog Conversa de Português em 2014 e consiste na apresentação das questões aplicadas no Exame Nacional do Ensino Médio e – a partir da matriz de referência do INEP – a observação das competências e habilidades correspondentes. A estrutura é a seguinte: apresentação da questão, competência e habilidade, gabarito oficial, comentário e link para estudos. Utilizo o caderno amarelo como referência para o gabarito.
QUESTÃO 107
Assum preto
Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor
Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do assum preto
Pra ele assim, ai, cantá mió
Assum preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil veiz a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá.
As marcas da variedade regional registradas pelos compositores de Assum preto resultam da aplicação de um conjunto de princípios ou regras gerais que alteram a pronúncia, a morfologia, a sintaxe ou o léxico. No texto, é resultado de uma mesma regra a
(A) pronúncia das palavras “vorta” e “veve”.
(B) pronúncia das palavras “tarvez” e “sorto”.
(C) flexão verbal encontrada em “furaro” e “cantá”
(D) redundância nas expressões “cego dos óio” e “mata em frô”.
(E) pronúncia das palavras “ignorança” e “avuá”.
Gabarito: B
Competência de área 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.
H25 – Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
Comentário:
O texto Assum preto é construído a partir de uma determinada variedade linguística e observamos expressões típicas da linguagem oral. Em “tarvez” e “sorto”, temos dois casos de rotacismo – a troca de L por R em encontros consonantais ou em final de sílaba. Bagno (2007, p. 145) afirma que “o rotacismo em final de sílaba é característico de algumas regiões onde se fala o chamado ‘dialeto caipira’ (interior de São Paulo, sul de Minas Gerais etc.)”; assim, podemos compreender a razão de a banca destacar, no enunciado, que o foco da questão é a variedade linguística regional.
QUESTÃO 124
Palavras jogadas fora
Quando criança, convivia no interior de São Paulo com o curioso verbo pinchar e ainda o ouço por lá esporadicamente. O sentido da palavra é o de “jogar fora” (pincha fora essa porcaria) ou “mandar embora” (pincha esse fulano daqui). Teria sido uma das muitas palavras que ouvi menos na capital do estado e, por conseguinte, deixei de usar. Quando indago às pessoas se conhecem esse verbo, comumente escuto respostas como “minha avó fala isso”. Aparentemente, para muitos falantes, esse verbo é algo do passado, que deixará de existir tão logo essa geração antiga morrer.
As palavras são, em sua grande maioria, resultados de uma tradição: elas já estavam lá antes de nascermos. “Tradição”, etimologicamente, é o ato de entregar, de passar adiante, de transmitir (sobretudo valores culturais). O rompimento da tradição de uma palavra equivale à sua extinção. A gramática normativa muitas vezes colabora criando preconceitos, mas o fator mais forte que motiva os falantes a extinguirem uma palavra é associar a palavra, influenciados direta ou indiretamente pela visão normativa, a um grupo que julga não ser o seu. O pinchar, associado ao ambiente rural, onde há pouca escolaridade e refinamento citadino, está fadado à extinção?
É louvável que nos preocupemos com a extinção das ararinhas-azuis ou dos micos-leão-dourados, mas a extinção de uma palavra não promove nenhuma comoção, como não nos comovemos com a extinção de insetos, a não ser dos extremamente belos. Pelo contrário, muitas vezes a extinção das palavras é incentivada.
VIARO, M. E. Língua Portuguesa, n. 77, mar. 2012 (adaptado).
A discussão empreendida sobre o (des)uso do verbo “pinchar” nos traz uma reflexão sobe a linguagem e seus usos, a partir da qual compreende-se que
(A) as palavras esquecidas pelos falantes devem ser descartadas dos dicionários, conforme sugere o título.
(B) o cuidado com espécies animais em extinção é mais urgente do que a preservação de palavras.
(C) o abandono de determinados vocábulos está associado a preconceitos socioculturais.
(D) as gerações têm a tradição de perpetuar o inventário de uma língua.
(E) o mundo contemporâneo exige a inovação do vocabulário das línguas.
Gabarito oficial: C
Competência de área 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.
H25 – Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
H26 – Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.
Comentário:
A questão cobra o tópico variedades linguísticas – que costuma aparecer no primeiro ano do Ensino Médio – a partir de um dos aspectos do preconceito linguístico.
Aprofunde seus estudos:
Variedades linguísticas na sala de aula
Variedades linguísticas no ENEM
ENEM 2014 – Variação e variedades linguísticas
Simulado: variedades linguísticas
ENEM 2015: Confira nosso comentário sobre as questões 100 e 109.
Referências:
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso. São Paulo: Parábola, 2007, p. 147.