O candidato do Exame Nacional do Ensino Médio tem de estudar para diversas disciplinas e ainda tem uma preocupação a mais: a redação! O estudante, que deveria se preocupar com a boa expressão linguística e a organização textual, vê-se confuso com uma série de lendas acerca da produção textual no ENEM e nos vestibulares. Os alunos costumam dizer que “Ouviram falar que a banca da Universidade A não permite letra de forma”, que a “banca da universidade B não gosta de texto grande”, que “o professor da banca da Universidade C já olha torto pra quem não começa a redação com uma pergunta” e “que redação criativa sempre tira nota 10”.
Antes de qualquer coisa, devemos lembrar que a banca de correção não faz seu trabalho com base no gosto de cada um de seus membros. Tudo o que o candidato pode ou não fazer no ENEM (ou em qualquer outro concurso) é determinado pelo edital, documento em que estão listadas todas as regras do Exame. Da mesma forma, o professor também recebe um conjunto de regras que deve ser obedecido para a realização de sua tarefa!
Já que tenho experiência em elaboração e correção de provas de concurso (além de estar cansada de ver os meninos perdidos), listei alguns dos equívocos espalhados por aí e que – cá entre nós! – não têm justificativa alguma!
1. É verdade que LETRA DE FORMA zera a redação?
Não, isso não é verdade! Se essa informação fosse verdadeira, ela estaria prevista no edital! As instruções da Universidade Federal Fluminense (2011) traziam a seguinte observação: “A redação que não puder ser lida, pelo menos por três avaliadores em virtude da letra ilegível, receberá nota zero.” Os organizadores do ENEM têm sido ainda mais democráticos; nos exames aplicados a partir de 2011, o que se vê é a orientação de que o aluno transcreva uma determinada frase com sua letra habitual.
Qual é o problema com a letra de forma? A questão aqui é a legibilidade da resposta! Há casos em que o candidato não diferencia os caracteres maiúsculos dos minúsculos, o que acarretaria um problema de desobediência às regras ortográficas (Isso, sim, faz perder pontos!).
2. O título é obrigatório?
Depende! Qual foi o gênero textual indicado pela banca: carta, notícia, artigo de opinião? Já participei de um concurso em que o gênero pedido era uma carta argumentativa. Qual é mesmo a estrutura de uma carta? Data, vocativo, mensagem e despedida. Título não faz parte da estrutura desse gênero! O pedido foi para escrever um artigo? Pense: você já viu algum artigo sem título por aí? Vale o bom senso!
No ENEM (e em outros vestibulares), o título não é obrigatório. O candidato deve estar atento às instruções da prova e, principalmente, refletir sobre qual é a função desse elemento textual: ele pode colaborar para a unidade do texto. É bom evitar copiar o tema que foi dado pela banca, pois o corretor pode entender que o aluno não sabe a diferença entre uma coisa e outra. Sugiro que o título seja escolhido por último, após a leitura do texto pronto.
3. A introdução tem que ser uma pergunta?
Não! Há várias maneiras de se elaborar a introdução de um texto argumentativo. Esse primeiro parágrafo pode ser elaborado como uma definição, uma comparação, um resumo e também uma pergunta. Já escrevi sobre isso no texto Redação do ENEM.
4. É verdade que a banca não gosta de texto grande? É verdade que a banca não gosta de texto pequeno?
Não, para as duas perguntas! Como disse no início, a banca tem uma matriz de correção e não avalia o texto dos candidatos com base em opiniões pessoais. O que o candidato precisa observar? O número de linhas indicado no edital e na capa da prova! No Exame Nacional, destaca-se a quantidade mínima ( 7 linhas ) e a máxima (30 linhas); logo, deve-se desenvolver o texto com base nessa orientação.
Em 2012, o tema do Exame foi “movimento imigratório no Brasil”; em 2013, “Efeitos da implantação da lei seca no Brasil”. Será que esses temas podem ser bem desenvolvidos em apenas 10 linhas? Na correção, consideram-se aspectos como argumentação, coesão, coerência. Um texto muito curto seria eficaz na apresentação de ideias e sua consequente defesa? Lembre-se de que, na dissertação argumentativa, é preciso apresentar as ideias e defendê-las!
Por que não pode ser um texto muito longo? Candidato, a resposta está no edital: a banca é orientada a considerar apenas 30 linhas; portanto, não perca tempo escrevendo 35 ou 40! Não adianta escrever “Vire!” no final da folha; ninguém vai ler as linhas excedentes!
5. É verdade que o parágrafo perfeito tem de 6 a 8 linhas?
O parágrafo perfeito é COESO E COERENTE, independentemente do número de linhas! Disseminou-se por aí a ideia de que a boa redação do vestibular obedece ao esquema 6-8-8-6, o que não tem nenhuma fundamentação teórica e é apenas um “modelo” didático. Produção textual não é matemática; logo, não tem a ver com nenhum tipo de conta!
Então, de onde saiu essa “receita de bolo”? As bancas dos vestibulares e concursos públicos estimulam, em média, o limite de 30 linhas. Se considerarmos que o texto terá introdução (apresentação da principal), desenvolvimento (ideias secundárias e argumentação) e conclusão, o “modelo” serve como uma orientação (e não como verdade absoluta) para que o redator possa apresentar suas ideias e argumentos sem desobedecer ao limite de linhas.
6. É verdade que redação criativa sempre tira nota 1000?
Você já se perguntou o significado da palavra criatividade? Veja o que dizem os dicionários:
cri.a.ti.vi.da.de s.f. talento para criar, inventar, inovar; inventividade. (Míni-Houaiss. 2012)
criatividade. s.f. força criadora; inventividade; originalidade (Dicionário UNESP, 2011).
Qual é a modalidade discursiva mais pedida nos concursos? Já respondemos a essa pergunta nos outros parágrafos, certo? Você sabe, pois, que deve atender ao tema, apresentar ideias, expor seus argumentos, escrever seu texto na norma padrão da língua portuguesa, “usar os conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação” (frase que apareceu nas últimas edições do ENEM). Achou alguma brecha para ser criativo, inventivo e inovador? Na verdade, você tem que ser bastante obediente e fazer APENAS aquilo que lhe foi solicitado! A questão da tal criatividade é óbvia: você não pode usar como se fossem seus textos de outras pessoas. No ENEM, é proibido transcrever trechos até da coletânea de textos motivadores.
Certamente, você já ouviu falar daquela redação cujo tema era o tempo e cujo autor teria escrito tic-tac-tic-tac na prova toda. Talvez, já tenha ouvido falar de uma sobre a borracha em que o candidato teria escrito apenas uma frase: “A borracha apaga os erros do homem”. Provavelmente, você já ouviu falar da redação sobre a água: “Ping-ping-ping”. Eu fiz vestibular para a UERJ em 1992 e já ouvia sobre essas mesmas redações “criativas”. Quando os meus alunos perguntam-me sobre a tal criatividade, eu cito esses exemplos, mas começo sempre assim: “Existe uma lenda urbana de que…”. Ao pesquisar para a escrita deste post, procurei os tais textos e só encontrei referências a eles como MITOS.
O último que tentou ser criativo no ENEM escreveu uma receita de miojo e, no ano seguinte, qualquer tentativa de gracinha (Ops! Criatividade…) passou a ser punida com a desclassificação do candidato. Voltemos a pergunta: “É verdade que redação criativa sempre tira nota 1000”? O rapaz do miojo quis ser criativo e descobriu que essa história é mito!
Leia mais no blog:
Língua portuguesa: o que cai no ENEM
Leia mais fora do blog:
Temas que já foram cobrados na redação do ENEM (Blog Língua e Literatura, da profª Maria Lúcia)
Enem 2012: estudante escreve receita de miojo na redação (Jornal O GLOBO)
Após miojo, deboche no ENEM vai virar nota zero (Nação Jurídica)
ENEM 2014 – Edital (INEP)
Atualizado em 20/05/2019
Ótimo, linguagem objetiva.
Excelentes dicas. Gosto de ler e escrever, dizem que ajuda na composição e na argumentação.