Dentre todas as oportunidades que a universidade me proporcionou ao longo da graduação, afirmo, com muita convicção, que a observação de aulas tem sido a mais enriquecedora. Como parte deste processo, a professora Andréa Motta propôs que eu ministrasse uma aula, porém, com um singelo desafio: um tema que eu não dominasse. Como amante fervoroso das Literaturas, minha mente logo se voltou para todos os temas complexos da Gramática (que eu evitava sempre que possível) e, após alguns minutos de reflexão, percebi que o mais aterrorizante deles era a Morfologia (ou, como constava no cronograma, Estrutura e Formação de Palavras).
Não posso negar que foi um processo bem difícil; tive bastante dificuldade com os planejamentos iniciais, contudo, a professora Andréa me instruiu com precisão, mostrando que, primeiramente, eu precisava mudar minha ótica sobre a gramática, experimentá-la de forma mais funcional e menos conceitual. E o resultado foi impressionante.
Por se tratar de uma aula introdutória sobre o assunto, estabeleci como objetivo principal a percepção da dinamicidade da língua portuguesa. Como material de leitura, foi usado o artigo “Língua portuguesa: ela dá o que falar há oitocentos anos”, escrito pelo colunista Paulo Nogueira. Não dá para falar de dinamicidade sem ser dinâmico, portanto, cortei partes do texto que julguei menos importantes, a fim de ser possível se encaixar em uma única página. Dentre as informações disponíveis pela leitura, os seguintes temas foram abordados:
- Influências que a língua portuguesa sofreu de outras línguas (espanhola, africanas, indígenas e árabe);
- Uso e proporção da língua portuguesa pelo mundo (além do Brasil e de Portugal);
- Aspectos dinâmicos da língua: reduções, siglas, variantes ortográficas, estrangeirismos e hibridismos.
Após serem questionados a respeito, os alunos revelaram que jamais imaginaram que palavras tão presentes no cotidiano deles pudessem ter origens tão distantes e plurais. Outro ponto que vale a pena ressaltar é que eles já perceberam que os estrangeirismos passam pelo processo de conjugação verbal (do português) antes mesmo de eu citar (como foi abordado como exemplo no verbo “stalkear”).
Após essas primeiras noções, o conteúdo restante da aula se concentrou em três vídeos. Os dois primeiros tinham como intenção mostrar para eles a relação (e as diferenças) entre língua e linguagem; vídeos nos quais pessoas tinham que adivinhar os significados de certas expressões através de gestos.
O primeiro vídeo se chama “Estrangeiros tentam adivinhar o significado de 7 gestos brasileiros”. O intuito desse vídeo foi mostrar aos alunos o quanto, a princípio, certas coisas parecem ser óbvias para uns, mas não são óbvias para outros, e que certas convenções de linguagem dependem muito do ambiente social em que o indivíduo está inserido: é disso que se trata a dinamicidade. Foi um vídeo muito bem recebido, principalmente porque os alunos acharam muito curioso o fato de existirem pessoas que não sabiam o que aqueles gestos tão simples (para eles, já inseridos no contexto) significavam.
Já o segundo vídeo, intitulado de “Você consegue adivinhar o que significam esses gestos italianos?”, os colocou na situação contrária. Os alunos imergiram bastante nesse vídeo em especial porque agora eram eles que tentavam perceber as nuances daqueles gestos que não faziam sentido para eles, embora, ainda assim, tenham ocorrido alguns acertos. Com a finalização desses dois vídeos, abri um espaço para relatos de como foi a experiência e as respostas me fizeram compreender que a questão da dinamicidade (e dos contextos) foi bem absorvida.
Por fim, concluí com um vídeo da youtuber “Coreaníssima”, que faz vídeos sobre as línguas e culturas do Brasil e da Coreia do Sul. No vídeo, intitulado de “Português: a língua mais difícil do mundo?”, ela relata as grandes dificuldades que teve ao aprender a língua portuguesa. Com isso, falei para os alunos sobre as noções de língua materna, visto que eles carregavam aquele estigma de achar que “não sabiam português”. O vídeo serviu para mostrar a visão de um estrangeiro do que é realmente não saber uma língua. Além disso, o conteúdo do vídeo me permitiu trabalhar os seguintes temas:
- Noções de português como língua estrangeira (aspectos linguísticos e culturais);
- Gêneros das palavras;
- Desinências e conjugação verbal;
- Noções de formação de palavras (derivação e composição).
Com isso, tivemos uma aula bem produtiva, focada em mostrar como a estrutura da língua interage com diversos parâmetros de comunicação que todos usam no dia a dia, mostrando que é possível trabalhar a gramática de maneira mais funcional e que é possível trazer reflexões gramaticais que vão além de definições engessadas.
Você é professor? Baixe o texto “Língua Portuguesa: ela dá o que falar há 800 anos”. Arquivo em PDF no OrangeDox. (Link atualizado em 04/01/2020).
Jean Claude é graduando em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também é escritor, utilizando o pseudônimo Edgar Varenberg, e atua como Coordenador Geral do grupo Liga dos Betas do Nyah! Fanfiction, que é responsável por criar conteúdos sobre escrita criativa, revisão textual e língua portuguesa para o público literário geral. Confira seus perfis no site Fanfiction e no Facebook.
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Achei a proposta muito interessante. Sair da nossa zona de conforto é importante em todas as áreas da vida! Parabéns.
Eduarda, transmitirei seu comentário ao Jean.
Super concordo! Parabéns por desafiar e inspirar seus estagiários.
Débora, muito obrigada! Você e Marcos Sheffel têm me enviado estagiários fantásticos.
Excelente texto, excelente proposta. Baixei o artigo citado, pois não o conhecia.
Meu primo, o Jean é ótimo!
Beijos
Muito orgulho de ti!
Débora, eu tenho os melhores estagiários do mundo, concorda? 😉