O Museu da Língua Portuguesa (MLP) foi destruído por um enorme incêndio na segunda-feira, 21/12/2015. A instituição – que funcionava na centenária Estação da Luz, no centro de São Paulo – foi inaugurada em 20 de março de 2006. O acidente foi muito comentado nos principais meios de comunicação e, nas redes sociais, foi possível observar muitas pessoas sensibilizadas com o episódio. Concomitantemente, muita gente questionou a abertura do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; investimento em Educação era o argumento dos que são contra a criação do espaço carioca. Então, por que o incêndio no MLP nos chocou tanto? Por que os museus podem ser espaços importantes para a educação?
No site oficial do Museu da Língua, consta uma lista com os objetivos de sua criação e destaco três: “mostrar a língua como elemento fundamental e fundador da nossa cultura”, “celebrar e valorizar a Língua Portuguesa, apresentada suas origens, história e influências sofridas” e “aproximar o cidadão usuário de seu idioma, mostrando que ele é o verdadeiro “proprietário” e agente modificador da Língua Portuguesa”. Embora a língua portuguesa seja a oficial em oito países, o MLP era o único no mundo a ter o nosso idioma como tema.
O vídeo acima mostra os diversos ambientes do Museu da Língua Portuguesa.
Se não conseguir visualizar o player, clique AQUI.
Quando eu era criança, meus pais costumavam me levar a museus e igrejas centenárias. Lembro de o meu pai dizer que o fazia não para que eu gostasse daqueles espaços, mas para que eu pudesse conhecê-los e com eles aprendesse alguma coisa. Meus pais sabiam que aqueles passeios contribuíam para a minha educação. Quando vejo questionarem a construção de museus como se isso impossibilitasse as políticas públicas educacionais, eu me pergunto: “O que esta pessoa entende por educação? Só é possível educar na escola?”.
Museus podem ser compreendidos como espaços de memória, pesquisa e cidadania. Como memória, temos o conceito criado pelo historiador Pierre Nora, que acreditava ser a cultura contemporânea um encontro do respeito pelo passado e o sentimento de pertencer a um grupo; assim, o Museu da Língua Portuguesa conta-nos a história de um “objeto” (a língua) que pertence a um grupo de cerca de 200 milhões de falantes.
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque estas operações não são naturais (NORA, 1993).
A cientista social Andréa Falcão (2009) resgata, em seu artigo, uma das concepções mais antigas do vocábulo museu: “instituição dedicada a buscar, conservar, estudar e expor objetos de interesse duradouro ou de valor artístico” (p.13) e afirma, ainda, que “os museus possuem um caráter educacional vinculado à sua origem, uma vez que, desde o início, se configuram como espaços de pesquisa e ensino” (p. 14; grifo meu). Se olharmos os sites oficiais dos museus brasileiros, veremos que a maioria deles oferece ações educativas desenvolvidas por meio de visitas guiadas, exposições itinerantes, rodas de leituras, cursos e oficinas para professores e estudantes. Também é necessário lembrar que muitos dos museus brasileiros estão vinculados às universidades (como o Museu Nacional da UFRJ, que abriga o maior acervo de história natural da América Latina).
Podemos considerar três tipos de educação: formal, informal e não-formal. O primeiro tipo é escolar. À escola cabe o cumprimento de parâmetros e currículos determinados legalmente e a transmissão de conteúdos distribuídos por áreas de conhecimento. No Brasil, a educação formal atende àquilo que é determinado, principalmente, pela Lei n. 9394/96.
O segundo tipo corresponde àquilo que aprendemos de forma não sistematizada em casa, no trabalho, na conversa com um amigo. As narrativas passadas de geração a geração, a leitura de um livro, a ida ao teatro ou ao cinema: tudo isso é educação.
O terceiro tipo é aquele que acontece de forma organizada por instituições que não são espaços escolares; por exemplo, museus, galerias e centros de Ciência. O Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), define o museu como espaço de “democratização do acesso, uso e produção de bens culturais para promoção da dignidade da pessoa humana”.
Quando alguém insinua que um museu – ou qualquer outro ponto de cultura – não é um espaço educacional, demonstra reconhecer apenas a escola como espaço legítimo de ensino e aprendizado. Ao mesmo tempo, demonstra seu desconhecimento sobre o que é educar em sentido amplo. O ensino escolar não é a única forma de educação e o professor não é seu único agente. Não questiono aqui se é importante ou não “investir mais em educação”. Sou professora, portanto esse questionamento nem cabe. É como professora de Língua Portuguesa e suas Literaturas que lamento e muito o incêndio no MLP e é sob esse ponto de vista que lamento por cada ponto de cultura fechado!
Referências bibliográficas:
FALCÃO, A. Museu como lugar de memória. Revista Salto para o Futuro. Museu e escola: educação formal e não-formal. Ano XIX, n. 3, maio 2009. Disponível em <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012191.pdf> Acesso em 23 dez 2015.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Questionário do Cadastro Nacional de Museus. Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/files/questionario_cadastro_nacional_de_museus.doc> Acesso em 23 dez 2015
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Apud ARÉVALO, M.C. Lugares de memória ou prática de preservar o invisível através do concreto. Projeto História. São Paulo: PUC-SP. n. 10, p. 12. 1993.Disponível em <www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=62> . Acesso em 23 dez 2015.