No bairro da ortografia os meninos encontraram uma dama de origem grega, que tomava conta de tudo.
– Bom dia, minha senhora! – disse Quindim fazendo uma saudação de cabeça muito desajeitada. – Trago aqui sobre o meu lombo dois meninos e uma boneca, que desejam conhecer a vida deste bairro.
– Às ordens! – exclamou a grega. – Desçam e venham ver como lido com letras, na formação das palavras.
(…)
Narizinho teve a idéia de inquirir por que motivo ela se chamava Ortografia.
– Meu nome é grego e formado de duas palavras gregas _ Orthos e Graphia. Orthos quer dizer “correta” e Graphia quer dizer “escrita”. Sou, portanto, a Escrita Correta, ou a que ensina a escrever corretamente.
(…)
Em seguida, falou de sua vida ali.
– Antigamente o sistema de escrever as palavras era o Sistema Etimológico, o qual mandava escrevê-las de acordo com a origem. Isso trazia muitas dificuldades. Por esse sistema, a palavra Cisma, por exemplo, escrevia-se Scisma, com uma letra inútil, mas justificada pela origem. Ditongo escrevia-se Diphtongo. De modo que havia uma enorme trabalheira entre os homens para decorar a forma correta das palavras.
(Monteiro Lobato. Emília no país da gramática)
O trecho acima foi extraído de Emília no país da gramática, obra de Monteiro Lobato escrita em 1934. O livro evidenciava as discussões sobre ortografia que culminaram com o acordo ortográfico de 1938. Através da personagem Emília, o escritor, entusiasta da ortografia simplificada, pregou o fim das consoantes e vogais desnecessárias na escrita. Em muitos trechos desta obra direcionada ao público infantil, Lobato fez referências à história da ortografia portuguesa. Inspirada na obra lobatiana. na gramática histórica do professor Ismael Coutinho e nos estudos apresentados pelo professor Manoel Pinto Ribeiro, escrevo um pouco dessa história aqui no Conversa de Português.
O período compreendido entre o século XII (quando surgiram os primeiros documentos em língua portuguesa) e o início do século XVI é chamado pelos estudiosos de período fonético. Isso significa que, naquele período , havia uma tendência de aproximação entre o som da palavra e a escrita. Como não havia sistematização para a escrita, havia muita incoerência. Por exemplo: a letra h era usada até para substituir a letra i (sabha = sabia), uma mesma palavra podia aparecer com ou sem o h (homem /omem).
O segundo período foi chamado de pseudoetimológico, devido às tentativas, no Renascimento, de imitar a grafia latina e grega nas palavras portuguesas. Muitos estudos foram feitos sobre as línguas clássicas e surgiu uma ortografia portuguesa que desconsiderava a evolução natural da língua. Do latim, foram aproveitadas as consoantes duplas, que sumiram no português moderno, mas continuam presentes em alguns nomes comerciais e outros nomes: Jornal do Commercio, Anna.
Em 1931 adotamos a ortografia simplificada, proposta pelo filólogo português Gonçalves Viana, cujo trabalho Ortografia Nacional fora aprovado em 1911 em Portugal. A Constituição brasileira de 1934, no entanto, rejeitou o projeto do estudioso. Em 1943, houve um novo acordo ortográfico luso-brasileiro. Em 1945, houve nova reunião entre estudiosos dos dois países; em meio às divergências de pensamento, o Brasil continuou usando as normas de 1943 e Portugal, as de 1945. Esta é a razão pela qual a língua portuguesa tinha duas ortografias oficiais, até 1 de janeiro de 2009. Em 1971, houve nova reforma ortográfica, mas apenas em terras brasileiras.
parabéns gostei muito desta pagina