Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa em 13 de junho de 1888 e recebeu o nome em homenagem a Santo Antônio, padroeiro da cidade. Sua vida literária começou em 1912, ano em que conheceu Mário de Sá-Carneiro, outro grande poeta da língua portuguesa. No mesmo ano, começou a colaborar na revista A Águia, cujo editor era o poeta Teixeira de Pascoais. Ousadamente, Pessoa anunciou naquela revista que Portugal conheceria um poeta maior do que Luís de Camões, um “supra-Camões” e suas declarações foram recebidas como um escândalo em Portugal.
Envolvido com ciências ocultas, Pessoa passou a escrever também poemas esotéricos; em seguida, publicou um poema erótico em língua inglesa e Gládio, que seria usado mais tarde para compor o poema épico Mensagem, em que narrava a história de Portugal.
O que diferencia Pessoa dos demais poetas é o fenômeno da heteronímia. Como já expliquei em outro post “diferente do pseudônimo, em que o artista assume novo nome sem mudar suas características de escrita, na heteronímia ocorre uma alteração de estilo, tema, vocabulário”. O pseudônimo é um nome falso usado para esconder o verdadeiro nome do artista; o heterônimo, ao contrário, não esconde a identidade verdadeira do escritor, mas representa uma nova estética literária. Foi Fernando Pessoa quem criou essa designação e é o único caso de heteronímia da literatura mundial. O poeta escreveu a Adolfo Casais Monteiro, em 13 de janeiro de 1935, e explicou como nasceram os seus principais heterônimos:
Meu prezado Camarada:
Muito agradeço a sua carta, a que vou responder imediata e integralmente. Antes de, propriamente, começar, quero pedir-lhe desculpa de lhe escrever neste papel de cópia.
Acabou-se-me o decente, é domingo, e não posso arranjar outro. Mas mais vale, creio, o mau papel que o adiamento.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que nunca eu veria «outras razões» em qualquer cousa que escrevesse, discordando a meu respeito. Sou um dos poucos poetas portugueses que não decretou a sua própria infalibilidade, nem toma qualquer crítica, que se lhe faça, como um acto de lesa-divindade. Além disso, quaisquer que sejam os meus defeitos mentais, é nula em mim a tendência para a mania da perseguição. À parte isso, conheço já suficientemente a sua independência mental, que, se me é permitido dizê-lo, muito aprovo e louvo. Nunca me propus ser Mestre ou Chefe – Mestre, porque não sei ensinar, nem sei se teria que ensinar; Chefe, porque nem sei estrelar ovos. Não se preocupe, pois, em qualquer ocasião, com o que tenha que dizer a meu respeito. Não procuro caves nos andares nobres.
[…]
Respondo agora diretamente às suas três perguntas: (1) plano futuro da publicação das minhas obras, (2) gênese dos meus heterônimos, e (3) ocultismo.
[…]
Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterônimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurastênico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenômenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos heterônimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenômenos – felizmente para mim e para os outros – mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contato com outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher – na mulher os fenômenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas – cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais: assim tudo acaba em silêncio e poesia.
[…]
Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com o título Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome Alberto Caeiro.
Naquele “dia triunfal”, nasceram, segundo a carta publicada em 1937 por Casais Monteiro na Revista Presença, nº 9, os heterônimos Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Para cada uma dessas personas literárias, Pessoa criou uma biografia: Álvaro de Campos nascera em Tavira em 1890 e era engenheiro naval; Alberto Caeiro nascera em 1889 e não tinha instrução; Ricardo Reis fora educado em um colégio jesuíta, era médico e residia no Brasil.
Tenho tanto sentimento
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
O texto de hoje (Fernando Pessoa, muitas pessoas) foi escrito especialmente para o Programa Dude Xavier e apresentado como homenagem ao aniversário do poeta que será em 13 de junho.
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Fonte de pesquisa:
TUTIKIAN, Jane. Sobre Fernando Pessoa. In: PESSOA, Fernando. Mensagem. Porto Alegre:L&PM, 2006.