O poema Operário em construção foi escrito por Vinícius de Moraes em 1959 e pode ser compreendido como uma metáfora para a construção da consciência de um trabalhador. De modo geral, a obra de Vinícius tem traços da segunda e da terceira geração do Modernismo brasileiro, período em que os textos estavam fortemente impregnados de questões sociais e políticas.
A primeira estrofe apresenta o operário por meio de uma comparação e uma metáfora que o identificam como trabalhador da construção civil sem consciência de sua importância social:
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Nos versos seguintes, as palavras
liberdade e
escravidão são associadas não como ideias opostas (o que, em uma leitura imediata, induziria o leitor a pensar em uma antítese), mas sim como um
paradoxo – figura de linguagem caracterizada pela associação de ideias contraditórias. Tal análise justifica-se, uma vez que o produto de seu trabalho deveria garantir liberdade ao operário; no entanto, isso não se concretiza conforme o texto progride até o seu final.
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
Em contraste com a alienação inicial, o operário é tomado por uma súbita revelação e a tomada de consciência de que tudo à sua volta é fruto de seu trabalho: “[…] casa, cidade, nação!/ Tudo o que existia/ era ele quem o fazia […]”. A partir desse ponto, o poema mostra como isso passa a interferir em seu dia a dia.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
[…]
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
O poema de Vinícius, como outros de sua geração, traz um importante questionamento acerca das condições trabalhistas. Os versos “O que um operário dizia/ outro operário escutava” representam as organizações sindicais. Por meio de metáforas, a estrofe abaixo promove uma reflexão sobre as desigualdades existentes entre as duas classes sociais presentes no texto:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
Os versos seguintes mostram a influência do operário sobre os outros empregados, até o momento em que é delatado pelos colegas (“Como era de se esperar/ As bocas da delação/ Começaram a dizer coisas/Aos ouvidos do patrão.”). Como resultado, o patrão ordena que o funcionário seja “convencido” a mudar suas convicções.
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
A epígrafe que abre o texto é extraída do evangelho de São Lucas (Lc 5, 5-8). Na passagem bíblica, Cristo é levado pelo Diabo ao alto de um monte e ali é desafiado a adorar seu opositor. O texto de Vinícius de Moraes retoma essa ideia por meio de uma estrofe em que o operário é desafiado a abandonar sua ética em troca de favores de seu patrão, após esse perceber que nem mesmo a violência o convenceria:
[…]
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
[…]
Nesse poema, a lógica das relações de trabalho é apresentada por meio de uma metonímia. Vinícius não nos fala de um patrão e um empregado específico, mas de duas classes sociais que vivem em lados opostos: “Via tudo que fazia /O lucro do seu patrão/ E em cada coisa que via / Misteriosamente havia/A marca de sua mão.” O trabalhador reluta e, ao dizer “Não!”, deixa explícito que sua liberdade de pensamento e sua ética são seus maiores bens.
Para ler o poema na íntegra, clique AQUI.
Excelente material para o entendimento contextualizado das figuras de linguagem. Muito obrigada!!!
Elza, muito obrigada pela visita ao blog e pelo comentário. Seja bem-vinda ao blog!
Ola, sou estudante de Ciencias Contabeis e em uma determinada tarefa surgiu a leitura e reflexao desse poema, no site de vcs descreve o poema como de 1956, porem na pagina oficial Vinicius de Moraes aparece como 1959. Obrigado
Muito obrigada, Leandro. Farei a correção.
Esse poema é lindo!