Literatura

Terceira geração modernista

A terceira geração modernista teve início  com a publicação de  Rosa extinta, de Domingos  Carvalho da Silva, O engenheiro, de João Cabral de Melo Neto, Predestinação, de Geraldo Vidigal, Ode e elegia, de Ledo  Ivo.  A geração, que realizou a sua produção após o fim da Segunda Guerra Mundial, viu uma renovação do movimento  modernista e dedicou-se à pesquisa e  à experimentação estética, embora  não tivesse  proposto  um novo movimento literário. Fazem  parte da chamada Geração de  45 os autores já  citados e outros como  Clarice  Lispector e Lygia Fagundes Telles.

Uma das principais características da geração era o desejo de conciliar a modernidade e a tradição. Nas artes visuais, a descrição da realidade cedeu  lugar à composição abstrata. Na literatura,  a pesquisa sobre a linguagem  literária tornou-se um ponto importante para o  trabalho de escritores que,  a exemplo do  que  já acontecera na geração anterior, usavam o  texto literário  para denunciar as injustiças sociais. Havia a preocupação com o aspecto formal do texto, o que  dividiu o grupo: de um lado, os  autores que  seguiam  a estética do  Parnasianismo; de outro, os que  se dedicavam a  uma linguagem racional,  objetiva e sintética.

Morte e vida severina talvez seja a obra mais importante de João Cabral de Melo  Neto. A obra foi  estruturada em  forma de auto  e escrita a pedido de Maria Clara Machado  que encomendou  ao  escritor uma peça natalina pernambucana. O personagem  Severino abandona o  sertão  em direção ao litoral,  tentando  encontrar um meio de sobreviver  à seca.

Morte e vida severina

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

 Na primeira parte do poema,  o personagem apresenta-se ao leitor e fala de sua sina.  Ele é mais um Severino  entre  tantos  outros. Não recebeu sobrenome para individualizá-lo entre tantos  (“Meu  nome é  Severino[…]/ não tenho  outro de pia”); a vida é dura para todos os que  sofrem  com a seca (“Somos muitos Severinos/iguais em tudo na vida”). A morte, que ronda o  nordestino sem possibilidade de partir, também é descrita pelo retirante:

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Em outro  trecho, João  Cabral  usa seu  texto  para denunciar a luta por terra. O  retirante encontra um grupo  carregando um defunto em  uma rede:

— E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?

[…]

— Este foi morto de bala,
irmão das almas,
mas garantido é de bala,
mais longe vara.

[…]

— E o que havia ele feito
irmãos das almas,
e o que havia ele feito
contra a tal pássara?

— Ter um hectares de terra,
irmão das almas,
de pedra e areia lavada
que cultivava.

Além de  marcar o  início de uma nova geração  modernista, 1945 marca também  o  ano da  deposição de Getúlio vargas – o  início de uma era de democratização  que se estenderia até 1964,  o  ano  do  Golpe Militar.  Nesse contexto, houve uma renovação do  gosto  pela  arte regional e popular, o  que  foi  compreendido  como  um caráter revolucionário. As artes oscilavam entre o  resgate do  passado e a busca do  novo.

Literariamente,  a geração de  1945 representou  um retorno  às conquistas de  1922: propunha-se a volta ao  passado, a revalorização da rima, da métrica, do  vocabulário requintado e das referências mitológicas.   Paradoxalmente, havia  um desejo de renovar a literatura  internacional lida no  Brasil; o grupo foi, então, influenciado pela leitura de escritores como Fernando Pessoa, T.S. Elliot,  Paul  Valèry e  Garcia Lorca.  Esta geração combinava o nacionalismo  característico da geração de 22 e o  universalismo da geração de  30.

Resumo da 3ª geração:

Fatos históricos

Fim do  Estado Novo  (1945)

Retorno de Vargas ao  poder (1951- 1954)

Presidência de Juscelino  Kubistschek (1956 – 1961)

Inauguração de  Brasília, como  nova capital  federal (1960)

Presidência de Jânio  Quadros (1961)

Presidência de João Goulart (1961 – março de  1964)

Características literárias:

Retorno  às conquistas  estéticas de  1922

Revalorização da rima, da métrica, do  vocabulário  erudito (influência parnasiana)

Referências mitológicas

Academicismo

Compromisso  social

Principais autores

Prosa:

Guimarães Rosa

Clarice  Lispector 

Poesia:

João  Cabral de Melo  Nelo

Assista ao filme Morte e vida severina, produzido em 2012 pela TV Escola.

Se não conseguir visualizar o  player, clique AQUI.

9 Comments

  1. Gostei muito do artigo, mas não entendi ao certo quais são os fatores culturais da terceira geração modernista..

  2. Conheço um pouco dessa temática abordada no poema de Cabral de Melo Neto.Sou nordestina e sei muito bem como é sofrida a vida de quem nasce lá.Porém, muitos nordestinos assim como eu, mesmo passando por mutas dificuldades não desistem de ter uma vida melhor.Por isso somos todos retirantes do nosso próprio destino e temos que enterrar muitas severinas para vencermos!!!!!

  3. Ler o poema acompanhando o filme proporcionou uma sensação diferente de lê-lo separadamente. A melancolia já presente nas palavras escritas são reforçadas com as imagens. Preto e branco, a seca, corvos em cactos. Além disso, em toda a história de Severino, a parte que mais chamou a minha atenção foi o final da conversa entre os coveiros, que termina com “Vem seguindo o seu próprio enterro”. Essa parte causa uma reflexão sobre a luta de tantos severinos em ter uma vida diferente, uma vida não-severina. Com o decorrer do texto, o sentimento muda. A esperança chega com o nascimento da criança, como uma lux há muito esperada por tantas vidas severinas.

    1. Juliana, você fez uma boa análise. Interessante a sua percepção da estética do vídeo. De fato, a ausência de cor parece intensificar a dramaticidade da narrativa.

  4. Olá professora Andréa!
    O que mais me chamou atenção no filme foi a luta de Severino por melhores condições de vida, pela vida tão sonhada por ele. E ele sai buscando isso, mas no caminho se depara com várias situações que vão mostrando que a realidade em outros lugares também não é fácil, e isso vai desanimando ele a ponto dele querer se matar. Mas se deparando com o nascimento de uma criança e a esperança de que o futuro dela seja melhor, ele desiste do suicídio e se convence de que a morte não compensa, ainda que a vida seja tão difícil. Para mim esse é o pensamento de grande parte das pessoas. Por mais que a vida esteja difícil, a morte não compensa. É melhor seguir em frente na esperança de que algum dia em algum lugar a situação vai melhorar!

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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