A população brasileira é mestiça e nossa miscigenação não é apenas étnica, mas também cultural, uma vez que nossos ancestrais são índios, brancos e negros. Essa afirmação pode parecer repetição do senso comum, mas nem sempre percebemos o quão importante é o debate sobre este assunto. No dia 2 de setembro, visitei com meus alunos a Pedra do Sal e o Morro do Valongo, região no centro do Rio de Janeiro, onde eram vendidos os negros escravizados. Ontem, dia 21 de setembro, visitei, com alguns alunos, o Instituto de Pesquisa Afro Cultural Odé Gbomi em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense. O espaço é dirigido e organizado por Antônio Montenegro, que reuniu um impressionante acervo sobre a história e a cultura da África.
Nossas saídas fazem parte de um projeto realizado em conjunto pela instituição federal em que trabalho (sob orientação da pedagoga Doris Barros) e a prefeitura do município onde ela está instalada. Os objetivos são promover o conhecimento sobre a cultura afro-brasileira e atender a Lei Nº 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas públicas e particulares:
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
A criação da lei trouxe um problema para os professores: como abordar o tema se, até aquele momento, a história do Brasil fora contada sob o ponto de vista do colonizador português? De onde extrair material que pudesse ser usado como fundamentação teórica para as nossas práticas? Como falar da África na sala de aula? Deveríamos falar sobre religião? Afinal, sobre que cultura africana a lei estava nos cobrando conhecimento? De fato, na época, a maioria de nós não tinha resposta para tantas perguntas. O resultado disso é que, passados quase 10 anos da promulgação da lei, ainda estamos engatinhando na implementação do tema nas nossas salas de aula.
Na visita à Pedra do Sal, os alunos conheceram o Morro do Valongo, onde os negros recém-chegados da África eram vendidos como escravos; vimos e pisamos caminhos abertos e calçados pelos negros; observamos do alto uma comunidade descendente de quilombolas e, por fim, a “tal Pedra do Sal” como disseram os alunos, que tem este nome por ter sido ponto de comercialização do sal trazido de Angra dos Reis.
A segunda saída foi ao Instituto Odé Gbomi. O curador do espaço, Antônio Montenegro, foi à nossa escola encontrar os alunos e nos preparar para a grande aula que teríamos no espaço cultural. Chamou-me atenção, nos momentos antes da saída, uma de suas frases: “Eu não vou falar de religião, vou falar de história e cultura. Religião cada um que pratique a sua em seu templo!”.
No caminho, Antônio mostrou-nos o caminho aberto por escravos, os locais onde ficavam as fazendas importantes da região, o caminho real por onde passou D. Pedro II, guiado pelas mãos de seu segundo tutor, o Barão de Intanhaem. Ouvimos as histórias sobre a Tia Ciata, importante nome na cultura do Rio de Janeiro. Aprendemos que os negros traziam cicatrizes em seus corpos como lembranças de seus antepassados e que estas foram descaracterizadas pelos senhores com ferro quente de marcar o gado.
Os alunos ouviram curiosos a explicação de Antônio Montenegro que, com carinho, montou todo o espaço e conheceram como, disse o curador, “museu atípico”. O Museu Odé Gbomi tem um acervo de mais de 200 peças que remetem à cultura negra africana. Na entrada, recebemos a explicação sobre um imenso painel à direita de quem entra no museu: uma bela fotografia retrata uma tribo africana; à esquerda, fotos de negros importantes para a cultura local. O museu é constituído por uma única grande sala com fotos, painéis, esculturas, joalheria africana (que deixou as meninas especialmente encantadas com o trabalho feito com miçangas), uma cadeira de madeira esculpida por negros há mais de 400 anos; totens aludem aos deuses africanos (os orixás, como dizemos no Brasil). Sobre a mitologia africana, aprendemos que no Brasil conhecemos apenas os nomes de 16, embora a cultura africana tenha mais 200 deuses.
O espaço comporta também uma pequena biblioteca com títulos valiosos para quem estuda a cultura Yorubá (a que chegou ao Brasil e deu origem ao candomblé como é conhecido aqui). Quando perguntamos como cuidar daquele espaço e o que será feito no futuro, Antônio apenas nos respondeu que Deus, os deuses de sua religião e seus seguidores o ajudam a cuidar de tudo.
Professora eu estou gostando muito das saidas, tudo o que estamos vendo são coisas que deveriamos ter aprendido a muito tempo, desde o ensino fundamental e mesmo não tendo tido essa oportunidade no passado, estou amando ver agora e ver a importância de cada um na história do nosso pais, pricipalmente, ver o quanto o Brasil é rico em cultura. Obrigada por estar nos dando essa oportunidade.
Pamela, eu também gostaria de ter tido essa oportunidade quando estava na escola. O que me deixa mais feliz é o fato de vocês aproveitarem essas nossas saídas e terem percebido que é preciso discutir o assunto, independentemente do credo de cada um. Estou muito feliz com a sua turma! Obrigada pela visita.
Infelizmente não pude ir nessa visita. Mas acho super interessante esse projeto Andrea, vocês estão de parabéns, adorei seu texto. É preciso aprender a valorizar nossas origens e toda a diversidade cultural existente no sangue de TODO brasileiro. Hoje as políticas culturais estão muito voltadas para os espaços, mas esquecem que é na educação que se constrói todo o alicerce de uma sociedade.
Sabrina, o Instituto Odé Gbomi é impressionante. Você iria adorar!
Aline e Paulo, obrigada pela visita. Infelizmente, para criar em nós a consciência de que o negro foi fundamental para a construção do país foi preciso criar lei que nos obriga a estudar essa cultura.
As visitas tem sido muito proveitosas. Infelizmente muitas vezes a participação e a importancia do negro dentro da sociedade brasileira não é contada, ainda á preconceito hoje. E por meio dessas visitas estamos vendo o quanto o negro contribuiu e continua contribuindo. Na construção de objetos artesanais, na construção de prédios importantes, Igrejas e isso infelizmente nunca foi reconhecido. A história do negro sempre foi passada para nós estudantes com umas outra face, o negro que apanhava, o negro que fugia, o negro que era vendido. Por que não falar do negro ajudou o país a ser o que é hoje, o negro que antes de chegarao Brasil eram princesas, rainhas e tudo isso tem se tornado bem claro. A religião do negro intremeado com o mesticismo do Cristianismo, A dança do negro, o trabalho que o mesmo exercia. Com a Aline citou, realemnte vemos que não temos um bom conhecimento da nossa cultura, os verdadeiros fundadores da nossa Terra.
Tenho adorado as saídas, uma oportunidade única de conhecimento, pois sempre voltamos com muitas informações e ideias. Nessas visitas se torna tão claro o quanto não conhecemos a nossa cultura.
Obrigada pela oportunidade!