“A língua é o que os falantes fazem dela”
(Fernão de Oliveira, gramático do século XVI)
Hoje aprendi, com um aluno, o verbo sexuar. A aula era uma revisão sobre origem e expansão da língua portuguesa: latim clássico, latim vulgar, influências indígenas e africanas, empréstimos linguísticos, discussão sobre o deputado Aldo Rebelo, que propusera a proibição de estrangeirismos. Falávamos dos cerca de 400.000 vocábulos da língua portuguesa (e do ínfimo número de palavras estrangeiras incorporadas ao nosso léxico), quando um rapazinho levantou a mão e disse “Andréa, inventei o verbo sexuar!”. Eu respondi: “Que bom, criou um neologismo” e tive uma crise de riso.
Neologismo, palavra formada pelos radicais neo (novo) e logos (palavra) é o processo de formação por meio do qual novas palavras são criadas ou um sentido totalmente distinto do original é atribuído a um vocábulo existente. Ao contrário do que pode parecer, o aluno não estava tentando tumultuar a aula; ele sabia muito bem o que estava falando e sabia justificar seu raciocínio linguístico. Segundo ele, dizer sexuar é muito mais rápido e prático do que dizer “fazer sexo”, e “transar” não tem nada a ver, em seu sentido original, com o que desejamos dizer ao usar tal expressão. Brincamos todos dizendo que sexuar precisava de um gerúndio (sexuando), um particípio (sexuado) e uma conjugação (eu sexuo, tu sexuas, ele sexua, nós sexuamos…). Quando a aula acabou, comentei com uma colega de disciplina sobre a nova criação vocabular e ela concordou com o pensamento de meu aluno: “É verdade, nós não temos nenhum termo que substitua “fazer sexo”; ele entendeu bem a ideia da aula e inventou palavra.” Minha colega ainda brincou: “ Ah é! Sexuar deve ser intransitivo”.
Para os puristas da língua, o verbo inventado por meu aluno pode parecer uma tremenda bobagem, mas a neologia (criação de novos itens lexicais) está presente na história de todas as línguas e demonstra que o falante não é passivo na construção de sua língua materna. Uma infinidade de neologismos podem ser lidos todos os dias na mídia e nossa literatura também está repleta deles. O que dizer do título “Sagarana”, obra de Guimarães Rosa, que mistura a língua de matriz europeia com o elemento indígena, em que “saga” remete a “canto heróico” e “rana”, significaria, na língua indígena, “à maneira de”?
O professor Ismael de Lima Coutinho, em seu livro Pontos de Gramática Histórica, afirma que “os neologismos são palavras ou expressões novas que se introduzem ou tentam se introduzir na língua”. Para o estudioso, há duas condições para a criação vocabular: a necessidade de expressar uma ideia para a qual não haja vocábulo correspondente e a observação (ainda que implícita) das leis morfológicas da língua. Há alguns anos, Antônio Rogério Magri, Ministro do Trabalho durante o governo Collor de Mello, criou, por acidente, a palavra “imexível”. A Revista Língua Portuguesa publicou recentemente dois interessantes artigos sobre o tema: Invenções por encomenda e O neologismo do comércio.
Fontes de pesquisa:
BRAZ, Shiley Lima da Silva. Recepção linguística: o caso dos neologismos lexicais. Disponível em: http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno13-20.html . Acesso em 4 jun 2010.
COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976.
ROSA, João Guimarães. Sagarana. São Paulo: Nova Fronteira, 1991.
Atualização em 09/03/2016: Os textos citados da Revista Língua Portuguesa, atualmente, estão disponíveis apenas para assinantes.
Tá atrasada minha resposta, nem sei se alguém ainda lê esses comentários… Mas, gostaria de dizer que a outra prof. só pode estar errada. Sexuar só poderia ser transitivo indireto, uma vez que precisa de algo mais (nesse caso, alguém mais) pra fazer sentido e tem que ser “com alguém” (ou com “algo” vai saber…), enfim… cada um “sexua com” o que/quem achar melhor…
“pra fazer sentido e tem que ser com alguém”. Por isso mesmo, é intransitivo. “Com alguém” expressa companhia, “com algo” expressa instrumento; logo, as “respostas” serão algum tipo de circunstância a que classificamos como adjunto adverbial (nesse caso, de companhia e de instrumento, respectivamente). E se é adjunto adverbial, o verbo é intransitivo.
eu li. Tenho o costume de ler os comentários porque dessa forma aprendemos mais.
eu e minhas amigas inventamos uma palavra e baracachaia(o) que significa uma pessoa doida mas de brincadeira.
Oi! Muito interessante o texto! eu gosto muito de descobrir coisas novas relacionadas ao português na visão histórica e os neologismos são mesmo muito reveladores. Estudando sobre o assunto, descobri que o autor de Inocência (Visconde de Taunay) também era filólogo e foi ele o criador do vocábulo ‘Necrotério’, combinando Necros = morto, com teréo = protejo. Logo temos: lugar em que se dá proteção aos mortos. Enfim, é maravilhoso mesmo poder descobrir as palavras. Valeu.
Sim, Alexandre, nossa língua é muito rica e com mil possibilidades. Obrigada pela visita.
oi andrea goistei da explicação mais preciso saber a finalidade de se criar um neologismo e alguns exemplos
Mayara, a turma é ótima!!!!!
Adorei!
Realmente, o Victor é muito inteligente! E a turma é muito boa mesmo! rsrs
Flávia, a sua invenção linguística foi perfeita, assim como a relação feita com o texto do José de Alencar.
Obrigada pelo comentário e pela visita; gosto muito quando alunos deixam recados.
Lúcia e Maria Lúcia, obrigada pela visita e pelos comentários. Eu adorei a percepção do aluno e a maturidade com que ele explicou seu raciocínio. Eu dei muita sorte, pois a turma toda é muito boa.
Professora, esse 'rapazinho' que inventou o verbo SÓ PODE ter sido o Victor, não é? HAHAHA
Mas concordo com esse neologismo, eu também já criei um verbo, não com a mesma lógica do nosso querido amigo mas que tem até um fundo cômico.
No ano novo, sempre viajamos para casa de praia da minha avó, eu e a família inteira. Numa dessas viagens, a minha irmã sempre era a escalada para lavar as louças, tanto do almoço como da janta. Indignada com a exploração para com a minha irmã, eu disse, no meio do café da manhã: "Mas vocês estão isaurizando a menina!"
O verbo em questão se relaziona com a Escrava Isaura, aquela de uma história que já até virou novela. Não achei que escravizar fosse o verbo adequado, porque no Brasil os escravos em geral eram negros – e de negra a Anninha não tem nada. Isaura era uma escrava branca, e relacionbei-a com a minha irmã.
Até hoje minha família se lembra desse fato e comenta quando o assunto é português. Afinal, profesores de português é o que não falta na minha família.
Olá, Andréa!
O neologismo criado pelo seu aluno atende ao princípio de economia linguística: empregar o mínimo de palavras para informar o máximo. O rapaz merece um ponto extra. rsrsrs…
Um abraço!
Oi Andréa,ando te seguindo pois adoro português,essa explicação do neologismo está um espetáculo,parabéns.
Abraços,Lúcia
04/06/010