Língua Portuguesa

É preciso ensinar análise sintática?

É preciso ensinar análise sintática? Foi a pergunta que me fizeram e  me deixou bastante pensativa. Na mesma hora,  eu  pensei  a resposta: “Não e sim!” e  por quê? Se ensinar análise sintática for sinônimo de entregar aos alunos uma lista de sentenças para serem analisadas com  base apenas  em nomenclaturas, a  resposta é não! Por outro lado, se isso significa orientar na construção de  um texto bem  escrito (ou  falado), a resposta é  sim! A pergunta, leitores, é  outra: “Como  ensinar análise sintática?”.

O que  é  Sintaxe? O  que  é análise sintática?

Sintaxe é a parte da gramática que  estuda as funções e a colocação dos termos nas orações. Aos estudos de Sintaxe também corresponde a  concordância, a regência,  a pontuação,  a  colocação dos termos  na oração.  O problema é achar que ensinar/estudar Sintaxe resume-se a isso. Como  consequência, teremos um grupo de alunos tentando decorar nomenclatura: sujeito, predicado, predicativo, verbos (transitivos e intransitivos), complemento nominal,  complementos verbais (objeto direto e objeto indireto), agente da passiva, adjunto  adnominal,  adjunto  adverbial e aposto e os  nomes de todas as orações estudadas na língua  portuguesa.   Se você que me  lê  for  professor, faça  um teste: pergunte aos alunos se eles  sabem  quais são os termos da oração e eles  desfiarão um rosário.

Análise sintática é a descrição das possibilidades e dos mecanismos utilizados para combinar as palavras em  um  período,  a fim de  conferir sentido ao texto.  O   problema é que  o  ensino  por  meio de  decoreba de termos provoca aversão ao estudo da disciplina Língua Portuguesa e o  aluno acaba por verbalizar alguns dos mitos sobre a língua. Eu  já  ouvi: “Professora, eu   não sei nada de  Português!”, “Português  é a língua  mais  difícil do  mundo” e algumas  outras coisinhas sem sentido.  A frases como  essas eu  devolvo  duas perguntas: “Se você não sabe nada de Português,  que  língua  é  essa em que estamos falando?” e “Quantas línguas há  no  mundo, quantas você já estudou  para usar como termo de comparação e com quais critérios científicos?”. Ninguém sabe me responder!

“Análise sintática é subsídio para compreensão e desempenho da língua escrita.”

A frase acima está no artigo  Por exemplo, o ensino da análise sintática,  de Sebastião Expedito  Ignácio (Universidade do Estado de São Paulo). Em seu texto, o  professor do  Departamento de Linguística da UNESP analisa a distância entre  as pesquisas acadêmicas mais modernas e  realidade do ensino. No  artigo,  o  pesquisador aponta algumas posturas adotadas pelos  docentes: 1) Ater-se ao ensino tradicional da língua, em que o aluno decora termos, mas  não os entende e, por  consequência, não os sabe usar ; 2) Levar para a sala de aula o  que  ele  chama de “emaranhado árboreo”, que  o  aluno  também  não entende; 3) Negar qualquer possibilidade de ensino da Sintaxe, por achar (equivocadamente) ser desnecessário ao ensino ou  aprendizado da  língua; 4) Compreender a análise sintática como “subsídio para compreensão  e desempenho da língua escrita”. O  que  tudo  isso quer dizer? A análise é  um meio para o estudo de línguas e não o seu fim! Simples assim!

Decorar termos e  (apenas) ler a gramática são métodos eficazes de estudo? Não!

Eu não estou afirmando  que  os alunos não devam saber o  que  é  sujeito, predicado… tampouco estou dizendo que não  é  preciso  consultar uma gramática (no  sentido que o termo tem em  ambiente escolar: o  livro). Eles  não só devem fazê-lo, como também  devem usar dicionários e quaisquer outras coisas que lhes sirvam aos estudos!  O que  eu afirmo e  repito nas minhas  aulas é que não adianta nada disso se, no final  do  processo, o  aluno decorou, mas  não entendeu.

Como fazer a prática da análise sintática?

Imagine aquele  aluno  que  decorou as classificações das orações da língua portuguesa. Ele vai lembrar de período simples,  períodos compostos, coordenações e subordinações. E se você, professor, pedir que ele analise as duas frases abaixo com  base apenas na pontuação utilizada?  Para fazê-lo bem, o  estudante deverá aplicar o que  aprendeu acerca dos períodos e suas orações, e de que modo interferem  na pontuação do texto; ele deverá, pois, realizar uma análise sintática.

Se o  aluno entendeu os conceitos dos diversos  elementos que constituem a oração, ele  perceberá que, na  imagem acima, temos duas frases e não apenas uma pontuada de dois modos diferentes.  O estudante deverá observar que as duas sentenças são dois períodos compostos por subordinação: na primeira, temos uma oração subordinada adjetiva restritiva; na segunda, uma oração adjetiva explicativa.

Eu  já fiz esse exercício com os alunos: eles costumam dizer  que  “a segunda é  explicativa por causa da vírgula.” Percebo, assim,  que  não entenderam bem a estrutura sintática  do período. É o contrário: a  vírgula aparece, porque a oração é explicativa. Com o  exemplo assim, podemos “brincar” dizendo o seguinte: a ausência ou  presença da vírgula  pode determinar quantas tias você tem  em São Paulo.

Qual é a diferença entre as frases acima?

A oração adjetiva restritiva (como o nome diz) restringe, particulariza o  significado do  termo antecedente, presente na oração principal e é indispensável  ao  sentido do  período.  Na frase 1,  uma “tia” é individualizada em  relação a outras que, porventura,  o  sujeito  tenha; só  ela  mora em  São Paulo.

A oração adjetiva explicativa (também como  indica a nomenclatura) apenas acrescenta alguma informação sobre um termo que está na outra oração. Na frase 2,  há apenas uma  “tia” e a  informação pode ser eliminada sem  prejuízo de sentido do  texto.

Notem que, para perceber essas nuances  de sentido do texto, o  aluno   não precisa apenas decorar aquela  velha lista da Nomenclatura Gramatical Brasileira, nem  passar 15 anos de sua vida na escola e, ainda assim, achar que não sabe português.

Leia no blog:

Como estudar análise sintática?

Videoaula: O que são frase, oração, período

Sugestões de leitura para professores:

Por que (não) ensinar gramática na escola – Sírio Possenti, Ed. Mercado das Letras  (Disponível  na Livraria da Travessa)

Língua, texto e ensino: outra escola  possível – Irandé Antunes, Ed. Parábola (Disponível na Livraria Cultura)

Língua e Liberdade – Celso Pedro Luft, Ed. Ática

Que gramática estudar na escola: norma e  uso na língua  portuguesa –  Maria Helena de Moura Neves, Ed. Contexto

Fonte de pesquisa:

IGNÁCIO,  S.E. Por exemplo,  o ensino da análise sintáticaAlfa: Revista de Linguística, v.37: São Paulo: UNESP,  1993.  Disponível em <http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3931>. Acesso em 10 fev 2018.

6 Comments

  1. Acho interessante seu texto e até concordo com sua argumentação, porém a rotina da sala de aula, o excesso de trabalho e desestímulo ao profissional deixa muitas lacunas para uma prática “boa” e “empolgante”. Pergunto-me várias vezes como trabalhar sintaxe de uma forma interessante. Utilizo músicas, filmes, textos literários, etc, mas sempre acabo entrando na velha nomenclatura e análises estruturais que pouco (ou nada) interessam aos alunos. Daí surgem as indigestas perguntas: “Se eu posso aprender o funcionamento da língua sem precisar decorar nada, por que eu tenho que ficar preso a tantas regas e nomenclaturas da gramática?” Esse é o dilema dos alunos… e do professor!

  2. Embora tenha estudado sobre as funções dos pronomes demonstrativos tenho uma dúvida: O “Este” pode ser usado para uma previsão futura? Deixe-me explicar. Por exemplo, alguém diz que futuramente acontecerá uma catástrofe e começa a dar detalhes de como ela ocorrerá. Ele pode dizer: Esta catástrofe será assim e assim? O pronome corresto é o “esta” mesmo?

    1. Oi, Juliana, tudo bem? Como você deve ter observado o uso dos pronomes demonstrativos não é o tema desse texto; nele, eu falei sobre o ensino de análise sintática. Você pode ler sobre os pronomes em dois textos já publicados aqui no blog:

      http://conversadeportugues.com.br/2012/10/demonstrativos/

      http://conversadeportugues.com.br/2014/02/como-usar-os-pronomes-demonstrativos/

      No caso citado por você, o demonstrativo utilizado para indicar tempo futuro é o ESSE.
      Obrigada por visitar o blog!

  3. Olha parabéns pela iniciativa de publicar no Twitter essa publicação é de grande importância a todos, como eu, que gosta muito de se manifestar aqui deixando minhas opniões e comentários. Sempre fui o teu fã profissionalmente falando e isso lá se vão uns 10 anos.
    Evaldo
    Brasília DF

    1. Oi, Evaldo! Como vai? Você é, na verdade, um dos meus leitores mais antigos, pois seus comentários vêm do meu primeiro blog, que completaria 11 anos, mas foi desativado. O Conversa de Português está fazendo 10 em 2018. Que bom que você publicou seu comentário! Seja bem-vindo de volta!

      Andréa Motta

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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