A língua portuguesa é celebrada diversas vezes durante o ano e isso já foi tema de um texto aqui no blog Conversa de Português: há datas comemorativas estabelecidas pelas leis brasileiras e pelas leis portuguesas. Existe, no entanto. uma data anterior a todas as outras e considerada o aniversário de nossa língua. O dia 27 de junho marca a assinatura, em 1214, do mais antigo documento régio escrito na nossa língua: o testamento do rei D. Afonso II, o terceiro rei de Portugal. Obviamente, a língua passou por muitas transformações durante esses mais de 800 anos. Vejamos alguns fatos dessa história.
A origem
O português – assim como o francês, o espanhol, o galego, o catalão, o provençal, o rético, o italiano, o sardo e o romeno – é uma língua neolatina. Isso significa que se desenvolveu na Península Ibérica a partir do latim falado por soldados e colonizadores romanos; ou seja, o latim vulgar. As primeiras tropas romanas entraram na Península durante a segunda guerra entre Roma e Cartago, “pois era naquela região que os cartagineses recrutavam os homens para as fileiras dos exércitos contra Roma” (SARAIVA, 1995, p. 21). Aquela área ficou conhecida como Lusitânia – daí, o substantivo lusíadas (que nomeia o mais famoso livro de Luiz de Camões) e os adjetivos luso e lusitano.
No século V, a organização política dos Romanos foi destruída pelos diversos povos bárbaros que invadiram a Europa Ocidental: alanos (oriundos do Cáucaso), vândalos (germanos de origem escandinava) e os suevos (germanos aparentados dos saxões); todos esses povos eram chamados de bárbaros pelos romanos e absorveram a cultura e a língua falada na região. No contato com as línguas bárbaras, o latim vulgar sofreu diversas influências e evoluiu de formas distintas nas diferentes regiões onde já era falado. Em 711, com a invasão moura, o árabe foi adotado como língua administrativa e também influenciou a língua local. A Reconquista do território só aconteceu cerca 300 anos mais tarde e uma consequência desse momento histórico é o uso de palavras como arroz, alicate, armazém, todas de origem árabe. Sobre a influência moura, temos o texto Árabe na língua portuguesa?
De onde vem o vocábulo português?
Saraiva (1995) afirma que
desde os fins do século IX começaram a aparecer referências a um Condado Portucalense, de fronteiras muito imprecisas, mas que abrangia terras no Minho e ao sul do Douro. A designação provinha de a principal povoação ser Portucale, situada próximo da foz do Douro, que foi “restaurada” e povoada nos meados do século IX pelo Conde Vimara Peres. (p.42)
Como podemos observar foi daí que surgiram, portanto, Portugal, português e língua portuguesa.
A evolução de nossa língua
Leite de Vasconcellos, segundo Cunha e Cintra (2008), divide a história da língua portuguesa em grandes épocas:
- Pré-histórica ou Latim lusitânico: Começa com as origens da língua e vai até o século V.
- Romance lusitânico: Língua falada na Lusitânia, do século VI ao século IX. Não existem documentos escritos correspondentes a essa fase.
- Proto-histórica: Estende-se do século IX ao século XII. Nesse período, são escritos os textos em Latim Bárbaro, palavras e termos emprestados das línguas locais e palavras portuguesas, evidenciando a existência do dialeto galego-português.
- Português arcaico: Princípios do século XIII (assinatura doTestamento de D. Afonso) até a primeira metade do século XVI, quando é publicada a Grammatica da lingoagem portuguesa, de Fernão de Oliveira (1536).
- português moderno: Segunda metade do século XVI até os dias atuais.
A carta do rei D. Afonso corresponde à fase histórica da língua portuguesa, visto que foi escrita no século XIII. É a época também do Trovadorismo, movimento literário que inaugura a literatura de língua portuguesa. Veja abaixo como era a nossa língua no século XII:
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Mandad’ei comigo / Ca ven meu amigo: E irei, madr,a Vigo!
Comigu’ei mandado / Ca ven meu amado: E irei, madr’,a Vigo!
Ca ven meu amigo / E ven san’e vivo: E irei, madr’,a Vigo!
Ca ven meu amado/ E ven viv’e sano E irei, madr’,a Vigo!
Ca ven san’e vivo/ E d’el rei amigo E irei, madr’,a Vigo!
Ca ven vi-v’e sano/ E d’el rei privado E irei, madr’,a Vigo!
O fato literário de maior relevância para a constituição do português moderno é a publicação de Os Lusíadas, de Luiz de Camões, em que o poeta usa a viagem de Vasco de Gama às Índias como pretexto para contar a história de Portugal.
Já explicamos em outros textos que a expansão marítima portuguesa ampliou também o domínio da língua portuguesa nos cinco continentes. Também já explicamos a evolução sofrida em seu léxico pelo contato com diversas outras línguas. A história da nossa língua continua, portanto, em construção.
Leia mais no blog:
Afinal, qual é o dia da língua portuguesa?
Referências:
CUNHA,C.; CINTRA, L. Períodos evolutivos da língua portuguesa. Nova gramática do português contemporâneo. 5.ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2008. p. 18-22.
SARAIVA, J.H. Origens. História Concisa de Portugal. 17.ed. Sintra: Publicações Europa-América, 1995. p. 17 – 44.