“A língua é o que os falantes fazem dela”
(Fernão de Oliveira, gramático do século XVI)
Há alguns dias, enquanto assistia a um boletim sobre os Jogos 2016, fui questionada com a seguinte frase: “Mas por que agora as pessoas dizem paralímpico? Que coisa!”. Minha resposta foi, na verdade, outra pergunta: “E o que tem isso?”. Minha interlocutora respondeu-me que “paralimpíada não existe”.
Esse é um caso em que não há outra forma de responder a não ser com um sonoro “Tanto faz!”. O leitor atento, que me lê com regularidade, sabe que eu não responderia nem outra coisa nem de outro jeito! E, por quê? Porque essa é a forma corrente nos outros países de língua portuguesa (Lembre-se de que são oito os países lusófonos; o Brasil é só um deles); porque paralímpico não é estranho aos processos de formação da língua portuguesa e, ainda que nenhuma explicação gramatical fosse possível, isso é uma marca comercial registrada!
Vamos entender o paralímpico?
Até os Jogos de 2008, as competições envolvendo atletas com algum tipo de deficiência eram chamadas no Brasil de Paraolimpíadas ou Jogos Paraolímpicos. Em 2011, atendendo a uma solicitação do Comitê Paralimpíco Internacional (Percebeu o nome do Comitê?), os organizadores brasileiros passaram a usar o termo corrente nos demais países de língua portuguesa. O objetivo, portanto, foi uniformizar o uso. Não descobrimos o fogo; não inventamos a roda!
Vídeo do Canal Futura sobre os Jogos Paralímpicos 2016. Duração: 1’16”.
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De onde saiu esse termo?
A palavra é uma tradução do termo inglês paralympic, que mescla os termos paraplegic e olympics. Ao trazermos o termo para a língua portuguesa e formarmos paralímpico, temos um caso de neologismo por amálgama lexical. O que isso quer dizer? Juntamos duas palavras para inventar uma terceira e, na formação da palavra nova, alguns elementos são truncados. Criação lexical é um processo legítimo nas línguas naturais (em qualquer uma!).
Mas a palavra está no dicionário?
Eu tenho em casa a edição 2009 do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e – visto que o pedido do Comitê aconteceu em 2011 – paralimpíada não aparece lá. Não vi as edições mais recentes e esse tipo de publicação não sofre atualização todo dia.
Como eu já expliquei no meu texto Lexicografia: como uma palavra vai parar no dicionário, o registro em dicionário ou em vocabulário ortográfico (Não, não é a mesma coisa!) apenas nos mostra quais eram as palavras aceitas e usadas com frequência por uma determinada comunidade linguística no momento em que aquele livro foi produzido. Há quantos anos usamos os verbos deletar e tuitar? Eles só foram incluídos na edição 2009 do Dicionário Aurélio! Não existiam antes ou apenas não haviam sido registrados? Cabe lembrar que a Lexicografia é uma ciência responsável apenas por descrever o léxico (conjunto de palavras de uma língua). Criar novas palavras não é tarefa nem do gramático, nem do linguista, nem do lexicógrafo; esse processo normal acontece em todas as línguas vivas!
Leia mais no blog:
Inventando palavras: neologismo
Bibliografia consultada:
ALVES, I.M Neologismo: criação lexical. 3.ed. São Paulo: Ática, 2007.