O Brasil encontra-se em um momento político que pode ser considerado um dos mais importantes de sua história. Nos últimos três anos, o povo foi às ruas protestar contra a corrupção, um ex-presidente virou alvo de investigação da Polícia Federal e um ministro foi “convidado” a depor. Na terça-feira, o Ministro da Educação, Aloízio Mercadante, foi chamado, após ter sido citado no depoimento de um dos investigados. Ao expor suas considerações sobre o caso, Mercadante proferiu a seguinte frase: “Não sou adevogado!”. E, como dizem por aí, a internet não perdoa…
Por que as pessoas ridicularizam quem fala adevogado?
Como já escrevi diversas vezes, oralidade e escrita são aspectos diferentes da língua. Como nos lembra o professor Marcos Bagno (2007), “os primeiros gramáticos consideravam que somente os cidadãos do sexo masculino, membros da elite urbana, letrada e aristocrática falavam bem a língua. Com isso, todas as demais variedades regionais e sociais foram consideradas feias, corrompidas, defeituosas, pobres etc” (p. 68). Assim, o que temos desde aquela época é um modelo idealizado de língua, que supervaloriza a escrita e desconsidera a fala como uma modalidade linguística distinta.
Piadinhas de tipo aparecem quando alguém pronuncia a palavra advogado com um E. Geralmente, os comentários visam a desqualificar socialmente ou intelectualmente o falante, que é acusado de “burrice”, “não saber falar o português”, “matar a língua portuguesa”; expressões que poderiam ser resumidas em uma só: “falta de instrução”. Acho que todos concordamos não ser esse o caso do Ministro da Educação, visto que ele é Mestre e Doutor em Economia, formado pela UNICAMP, segundo consta em seu Currículo Lattes. Ele corresponde, portanto, ao que os linguistas entendem por falante culto (conceito elaborado como resultado de muitas pesquisas científicas): indivíduo com grau de escolaridade superior completa, nascido e criado em zona urbana. O conceito – conforme é usado em Sociolinguística – nada tem a ver com as noções de culto e inculto disseminadas por aí com base no senso comum!
Por que algumas pessoas falam adevogado?
Algumas pessoas pronunciam adevogado pela mesma razão que a maioria diz adIvogado, abIsoluto e adimissão (cuja grafia é advogado, absoluto, admissão, respectivamente). Por que isso acontece?
Antes de responder, é necessário deixar bem claro o óbvio: a pronúncia das palavras não está necessariamente relacionada ao grau de instrução do falante! Embora a escrita de advogado (e das outras palavras) nos sugira a presença de uma consoante “muda”, não é o que acontece na fala real e não monitorada. Eu ouso dizer que todas as classes sociais pronunciam aquele “i”! No português brasileiro, existe uma dificuldade de pronunciar sons consonantais não acompanhados por vogais, pois essa não é a estrutura mais comum de nossa língua!
Ao pesquisar para a redação deste post, encontrei um texto cujo autor pedia que o leitor repetisse a palavra pneu em voz alta até dizer corretamente o P! Não entendi o que ele quis dizer! Qual será a pronúncia correta de um P ou qualquer outra consoante sem uma vogal? Juro que tentei, mas – considerando que o P é uma consoante bilabial – tudo o que eu consegui mesmo foi encostar os lábios um no outro!
Voltemos ao título: “…você também fala ‘errado’!”
O meu leitor atento deve ter observado que usei “errado” (assim, entre aspas). O mesmo leitor perspicaz também notou que esse texto não é uma defesa da pronúncia do ministro. Ele, se quiser e precisar, que contrate um advogado! O objetivo – como em diversos textos publicados aqui no Conversa de Português – é provocar a reflexão sobre o conceito simplista de erro e acerto, principalmente quando se discute sobre língua falada.
Li, em uma rede social, a seguinte frase: “Meu ouvido sangra quando ouço alguém falar adevogado”. Euzinha aqui aposto que quem proferiu a frase diz adivogado. Lanço um desafio ao leitor: repita a palavra advogado até pronunciar aquele “d” corretamente. Só ria do ministro quando conseguir! Dica: não adianta sair por aí pesquisando qual é a pronúncia correta, porque a resposta será algo como “A pronúncia do D é D, ué!”.
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Nota:
Consoantes bilabiais são aquelas formadas pelos contatos dos lábios. São as consoantes [p], [b], [m]: pato, bateria, matagal.
Referências bibliográficas:
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. 3. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.