Na literatura contemporânea brasileira sobra fluxo de pensamento e falta “historinha”. Os grandes mestres da literatura, aqueles que habitam eternamente num lugar sacratíssimo chamado cânone, escreviam de um modo que os tornava populares, os escritores que se destacam hoje como produtores de “boa literatura”, infelizmente, são inalcançáveis para a maioria dos leitores.
Alguma coisa está muito errada no “mundo da ficção literária nacional”!
Será que não é mais possível escrever “historinhas boas”? Será que para ser considerada “boa literatura” é preciso produzir um objeto cujo leitor, aquele mesmo que adora novelas de televisão, não enxergue nada além de um “amontoado de letrinhas muito bem organizadas”?
Muitos, num comum pré-conceito, julgam os “escritores de antigamente” complexos, sem se darem conta de que tal afirmativa é uma das maiores falácias “literárias” que nos empurram goela abaixo. O problema é a gradual redução lexical; é, portanto, também, um problema de letramento. Isto é, neste caso, a falha está no leitor contemporâneo e não na “escrita antiga”. Bem diferente do que ocorre com a nossa atual produção ficcional: vivemos um tempo em que o problema está no escritor, não no leitor.
Debocha-se dos “escritores populares”, os quais, em sua maioria, realmente só produzem “lixo literário”. Porém, teimosamente, não se vê mais na tal “literatura brasileira de qualidade” as “historinhas simples” em que tão facilmente o leitor localizava-se.
Personagens não têm mais nomes — aqui e no mundo —, porque são “um na multidão de estranhos”. Mas a multidão daqui não se vê naquele estranho, por isso não se interessa por sua vida, pela sua história, pelo que ele tem a dizer. E, o mais grave, não consegue mergulhar na linguagem, tampouco apoderar-se do texto como instrumento construtor de saber.
O que estava na superfície das “historinhas de antigamente” era a ponta do iceberg. Até hoje ainda se esmiúça seus conteúdos “secretos”. Ou seja, a história, que é o que o “leitor comum” procura, encontrava-se à disposição de todos que quisessem ler as obras, de maneira compreensível e clara, deixando o indizível, intencional e dubiamente, nas entrelinhas.
A literatura brasileira contemporânea é um iceberg num mar que secou.
Desaprendeu-se como escrever “historinhas” agradáveis, com qualidade literária, sem que para isso tenha que se esgotar em si, em fluxos de pensamento “chatos e cansativos”? Creio que não. Contudo, para não perder os tais três mil leitores adestrados à atual “literatura boa”, fazer parte do seleto grupinho “de excelentes escritores” e, quem sabe, ser agraciado em um concurso literário, não seja permitido hoje em dia escrever “historinhas”.
Obviamente que não se propõe a extinção do fluxo de consciência, muito pelo contrário, entretanto, tudo o que é usado em excesso merece ser revisto, repensado; do mesmo modo que o visível fenômeno da quase extinção das “boas historinhas” merece atenção.
Quem entrará para o cânone? Os escritores, comprovadamente, de qualidade, mas reféns da falta de “historinhas” em seus textos ou os autores que são lidos… ouvidos, vistos por milhões? Quem cria obras para o público ou quem escreve para especialistas, para eruditos, para (com o perdão da ironia) intelectuais ávidos leitores de capas de livros?
Se algo não mudar, ninguém vai estranhar quando scripts de telenovelas da Globo começarem a ser objetos de estudo mais relevantes em nossos cursos de Literatura. Aliás, já há casos. Bem ou mal, nelas se vê o Brasil.
Nem é preciso “ressuscitar o narrador”, não com o status que já teve, basta um pouquinho de Norte para o leitor e uma pitadinha de bom senso, e a “boa narrativa” contemporânea poderá seguir seu caminho, não deixando de ser, por sua absoluta falta de popularidade, objeto de estudo lá no futuro.
A “boa literatura brasileira” contemporânea mostra-se muito pobre na função de retratar o país, como historicamente vinha sendo uma de suas “missões” centrais.
Da falta de “historinhas”, da sobra de teorias literárias postas ao pé da letra, os frutos produzidos são formidáveis, porém intragáveis ao terceiro pilar da tríade: o público. Cede, com isso, lugar ao “lixo literário”.
Laurindo Stefanelli
Parabéns pelo texto!
Obrigado, Daiane!
Laurindo, para aperfeiçoar meu português, é recomendado ler literatura estrangeira traduzida? Até hoje li uns dez livros, todos de fantasia, e nenhum deles eram brasileiros. Por onde devo começar na literatura brasileira?
O artigo não é sobre isso, é um posicionamento crítico a respeito da atual produção ficcional na literatura brasileira, entretanto, tentarei lhe ajudar.
Jota Ferreira, pelo modo como você organizou sua pergunta, já se percebe que tem um ótimo domínio da nossa língua escrita. Portanto, creio que os livros que tem lido, certamente lhe estão sendo muito úteis para aperfeiçoar o seu português. Mesmo assim, eu o aconselharia a buscar outros gêneros. Não há nada de errado em gostar da literatura de fantasia, muito pelo contrário, mas é sempre bom diversificar o que lemos.
É altamente recomendado que leia literatura estrangeira traduzida — sobretudo os clássicos —, pois, ainda que nenhuma tradução se compare ao original escrito pelo autor, é a maneira mais prática de conhecermos bons escritores estrangeiros. Contudo, valorizar a produção de escritores nacionais é fundamental.
Por onde começar na literatura brasileira é muito relativo. Depende do que se quer encontrar nos livros, do quanto se está disposto a usar o dicionário, do tipo de narrativa que mais agrada etc. Por isso, acredito que a melhor forma de se escolher o que vai ler é pesquisando sobre os autores. Para quem deseja aprofundar-se na literatura produzida no Brasil, o mais lógico e óbvio é estudar os autores de acordo com as escolas literárias. Para o público em geral, que lê apenas pelo prazer da leitura, é interessante buscar autores com os quais se identifique, assim é muito provável que gostará do livro.
Hoje em dia é muito fácil “conhecer” os escritores atuais e antigos, basta, por exemplo, pesquisar na internet.
Obrigado pela visita!