Literatura

Romantismo – 1ª geração

 No Brasil, o início do Romantismo coincide com o processo histórico que culminou com a Independência em 1822. Havia, naquele momento, o desejo e a necessidade de identificar os símbolos verdadeiramente brasileiros. Era preciso ressaltar as características locais, valorizar a história, conhecer a origem e reforçar a identidade do povo.  Neste texto, veremos as  principais  características do período que ficou conhecido como 1ª geração romântica. (Na imagem  em destaque, vemos o quadro As exéquias de Atala, de Rodrigues Duarte).

Nacionalismo e indianismo

Nacionalismo

O caráter  nacionalista não  é exclusivo da  literatura romântica brasileira.   No século XIX, a  Europa era  o cenário de  uma  importante mudança histórica: revolução industrial, ascensão da burguesia, queda da nobreza, operariado crescente. O Brasil,  recém-saído do colonialismo, ainda vivia  o  regime de  latifúndio, escravismo e a economia de exportação.

Carente do binômio urbano indústria-operário durante quase todo o  século  XIX, a  sociedade brasileira contou, para a formação de sua inteligência,  com os   filhos de  famílias abastadas do campo, que  iam receber  instrução jurídica em  São Paulo, Recife e Rio de  Janeiro. […] Como  os seus ídolos europeus, os  nossos românticos exibem fundos de  defesa e evasão  que os  leva a posições  regressivas: […] retorno  à  mãe natureza, refúgio no  passado, reinvenção do bom  selvagem, exotismo  e as  relações do  próprio eu (abandono  à solidão, ao sonho, ao devaneio, às demasias da imaginação e dos  sentidos). (Grifo  nosso. BOSI, 1999, p. 92-93.).

Leia abaixo o poema  Minha terra,  de  Gonçalves  Dias, um dos  principais  poetas  do Romantismo:

Minha terra!

Gonçalves Dias

Quanto é grato em terra estranha
Sob um céu menos querido,
Entre feições estrangeiras,
Ver um rosto conhecido;

Ouvir a pátria linguagem
Do berço balbuciada,
Recordar sabidos casos
Saudosos – da terra amada!

E em tristes serões d’inverno,
Tendo a face contra o lar,
Lembrar o sol que já vimos,
E o nosso ameno luar!

Certo é grato; mais sentido
Se nos bate o coração,
Que para a pátria nos voa,
P’ra onde os nossos estão!

Depois de girar no mundo
Como barco em crespo mar,
Amiga praia nos chama
Lá no horizonte a brilhar.

E vendo os vales e os montes
E a pátria que Deus nos deu,
Possamos dizer contentes:
Tudo isto que vejo é meu!

Meu este sol que me aclara,
Minha esta brisa, estes céus:
Estas praias, bosques, fontes,
Eu os conheço – são meus!

Mais os amo quando volte,
Pois do que por fora vi,
A mais querer minha terra,
E minha gente aprendi.

Paris,  1864.

O poema acima  trata do amor à pátria reforçado pela distância geográfica. O eu lírico afirma sentir-se  feliz  ao  encontrar  “em terra  estranha”, “entre feições estrangeiras” alguém conhecido. Esse encontro permite-lhe conversar  em  língua  portuguesa (“Ouvir a  pátria linguagem”), recordar situações  vividas no Brasil (“Recordar sabidos casos / Saudosos – da terra amada!”).  A valorização da  natureza brasileira  também aparece  no texto: “Estas praias, bosques, fontes, /  Eu os conheço – são meus!”.

Indianismo

A biografia  de Gonçalves Dias pode ser compreendida como um retrato da  população brasileira que o Romantismo pretendia valorizar: era filho de um português com uma cafuza (mestiça de índio com negro); era ele  mesmo  a síntese dos  povos que formavam a  nação brasileira.  Assim como  outros autores, ele retratou  o  que   o  imaginário do século XIX  difundia acerca do indígena. Veja abaixo o poema Canto do índio:

Quando o sol vai dentro d’água
Seus ardores sepultar,
Quando os pássaros nos bosques
Principiam a trinar;

Eu a vi, que se banhava…
Era bela, ó Deuses, bela,
Como a fonte cristalina,
Como luz de meiga estrela.

Ó Virgem, Virgem dos Cristãos formosa,
Porque eu te visse assim, como te via,
Calcara agros espinhos sem queixar-me,
Que antes me dera por feliz de ver-te.

O tacape fatal em terra estranha
Sobre mim sem temor veria erguido;
Dessem-me a mim somente ver teu rosto
Nas águas, como a lua, retratado.

 Eis que os seus loiros cabelos
Pelas águas se espalhavam,
Pelas águas, que de vê-los
Tão loiros se enamoravam.

Ela erguia o colo ebúrneo,
Por que melhor os colhesse;
Níveo colo, quem te visse,
Que de amores não morresse!

Passara a vida inteira a contemplar-te,
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa,
Sem que dos meus irmãos ouvisse o canto,
Sem que o som do Boré que incita à guerra
Me infiltrasse o valor que m’hás roubado,
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa.

Às vezes, quando um sorriso
Os lábios seus entreabria,
Era bela, oh! mais que a aurora
Quando a raiar principia.

Outra vez – dentre os seus lábios
Uma voz se desprendia;
Terna voz, cheia de encantos,
Que eu entender não podia.

Que importa? Esse falar deixou-me n’alma
Sentir d’amores tão sereno e fundo,
Que a vida me prendeu, vontade e força
Ah! que não queiras tu viver comigo,
Ó Virgem dos Cristãos, Virgem formosa!

Sobre a areia, já mais tarde,
Ela surgiu toda nua;
Onde há, ó Virgem, na terra
Formosura como a tua!?

Bem como gotas de orvalho
Nas folhas de flor mimosa,
Do seu corpo a onda em fios
Se deslizava amorosa.

Ah! que não queiras tu vir ser rainha
Aqui dos meus irmãos, qual sou rei deles!
Escuta, ó Virgem dos Cristãos formosa.
Odeio tanto aos teus, como te adoro;

Mas queiras tu ser minha, que eu prometo
Vencer por teu amor meu ódio antigo,
Trocar a maça do poder por ferros
E ser, por te gozar, escravo deles.

 Vocabulário:

MAÇA: 1. Antq. Pedaço de pau, com uma das extremidades mais grossa, us. como arma; CLAVA; MOCA. 2. Mil. Arma antiga, feita de uma barra de ferro à qual se prende com uma corrente, numa das extremidades, uma bola de metal com pontas afiadas. 3.  Instrumento em forma de pilão, us. para bater ou maçar o linho. 4. Peça de madeira em forma de garrafa comprida us. pelos malabaristas. 5. Espécie de martelo, ger. de madeira, com duas cabeças. 6. Vareta de madeira para percutir o bombo. 7. Polpa da noz moscada.

Note que o   indígena que dá voz  ao  texto descreve o  momento em  que   observa uma  moça  branca (“Ó Virgem, Virgem dos Cristãos formosa” / […] “Eis que os seus loiros cabelos”). Essa  visão da  moça europeia banhando-se  em  rio provoca no eu  lírico um profundo desejo de estar com ela, mas  limita-se  à  observação; fato  que  traz  uma  dos temas do Romantismo:  o amor impossível.  Para  que  esse amor  pudesse ser  concretizado, o  indígena  declara  ser capaz de fazer-se escravo dos  cristãos, como  podemos observar na última estrofe.

Jean-Jacques Rousseau, filósofo do século 18, observou o comportamento do ser humano e a realidade que o cerca. A partir de sua observação, elaborou a tese do “homem natural”.  Para Rousseau, a natureza do homem é boa ao nascer, porém a convivência social transforma as pessoas, reforça as diferenças e a desigualdade social, originada da divisão do trabalho, corrompe a sociedade. O “homem natural” pensado pelo francês seria livre dessa corrupção social.  Veja abaixo algumas das ideias que Rousseau expôs no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens:

O homem não é bom nem mau, ignora tanto as virtudes e os vícios. O estado da natureza é mais vantajoso para ele e lhe proporciona mais felicidade do que o estado social. […] O homem é naturalmente indulgente; a piedade é um movimento da natureza, anterior a qualquer reflexão. A prova disso pode ser encontrada no instinto maternal, nos animais e até nos tiranos mais cruéis, que, naturalmente, sentiam piedade pelos males que não tinham causado. (ROUSSEAU, 2000, p. 17)

Os românticos brasileiros, preocupados com a instauração de uma literatura genuinamente brasileira, buscavam os aspectos que favorecessem a construção de identidade nacional. Assim, enquanto na Europa os poetas   inspiravam-se na Idade Média, os escritores brasileiros adotavam o indígena como símbolo. Os poemas do período mostravam um índio idealizado semelhante ao “homem natural” de Jean-Jacques Rousseau.

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Sugestão  para o professor:

O  professor pode  pedir  à turma  que pesquise, em sites, livros ou revistas, textos que demonstrem a preocupação em  valorizar a cultura brasileira. Atividade semelhante foi descrita no  texto Romantismo brasileiro  e o Brasil  em  letra de música.

Referências:

BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 33.ed.  São Paulo:  Cultrix,  1999

DIAS, G. Minha terra. Disponível em <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/goncalves-dias/minha-terra.php>. Acesso em 10 ago 2014.

________. Canto do índio. Disponível em <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/goncalves-dias/o-canto-do-indio.php.> Acesso em 10 ago 2014.

ROUSSEAU. J.J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Discurso sobre as ciências e as artes. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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