Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, nasceu em 29 de agosto de 1730 (Não há consenso sobre esta data e não é raro encontrarmos o ano 1738). O escultor, pintor e arquiteto era filho de um português e de uma escrava e foi alforriado por seu pai ao nascer; devemos lembrar que a Lei do Ventre Livre foi assinada apenas em 1871, mas de cem anos após o nascimento do artista. Diversos estudos foram feitos sobre a sua obra e é bastante comum encontrar referências nas obras dos modernistas brasileiros, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade , Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade. (Na imagem ao lado, vê-se a igreja de São Francisco em São João Del Rey. Arquivo pessoal: Andréa Motta – 2008).
A Revista de História da Biblioteca Nacional publicou em 2009 uma importante matéria sobre a recuperação das obras de Mestre Aleijadinho e destacou a dificuldade de reconhecer e recolher peças criadas pelo artista. O problema é decorrente de diversos fatores: Antônio não assinava suas obras; existe a possibilidade de algumas peças terem sido feitas por aprendizes; ele raramente entregava recibos das encomendas que recebia; boa parte das peças foi roubada de igreja e pode ter ido parar (clandestinamente) em coleções particulares. Um artigo, publicado por Rodrigo de Melo Franco de Andrade em 1938, já apontava os questionamentos sobre a obra do artista:
O artigo de Melo Franco foi uma das iniciativas do Sphan (atual IPHAN) para comprovar as atribuições a Aleijadinho. A instituição – que também tinha o arquiteto Lucio Costa como incentivador – mobilizou-se enviando pesquisadores às cidades mineiras. Os profissionais vasculharam arquivos de irmandades, igrejas e Câmaras, encontrando documentos como recibos, contratos de serviços, despesas com obras, comprovando em vários casos a autoria do artista. (RHBN, 2009, p. 20)
O reconhecimento de Aleijadinho como um importante artista brasileiro ganhou força com o Modernismo, que visava a valorizar as raízes da cultura nacional. Em artigo publicado em 1928, Mário de Andrade afirmava que o mineiro era o maior gênio artístico do Brasil, apesar de os brasileiros – segundo ele – só reconhecerem os talentos nacionais após a aceitação do público estrangeiro. (Idem, p.20-21). Em 1934, o poeta modernista Carlos Drummond de Andrade publicou a antologia Brejo das almas, que contém o poema “ O voo sobre as igrejas”:
O voo sobre as Igrejas
Carlos Drummond de Andrade
Vamos até à Matriz de Antônio Dias
Onde repousa, pó sem esperança, pó sem lembrança, o Aleijadinho.
Vamos subindo em procissão a lenta ladeira.
Padres e anjos, santos e bispos nos acompanham
e tornam mais rica, tornam mais grave a romaria de assombração.
Mas já não há fantasmas no dia claro,
tudo é tão simples,
tudo tão nu,
as cores e cheiros do presente são tão fortes e tão urgentes
que nem se percebem catingas e rouges, boduns e ouros do século 18.
Vamos subindo, vamos deixando a terra lá embaixo.
Nesta subida só serafins, só querubins fogem conosco,
de róseas faces, de nádegas róseas e rechonchudas,
empunham coroas, entoam cantos, riscam ornatos no azul autêntico.
Este mulato de gênio
lavou na pedra-sabão
todos os nossos pecados,
as nossas luxúrias todas,
e esse tropel de desejos,
essa ânsia de ir para o céu
e de pecar mais na terra;
este mulato de gênio
subiu nas asas da fama,
teve dinheiro, mulher,
escravo, comida farta,
teve também escorbuto
e morreu sem consolação.
Vamos subindo nessa viagem, vamos deixando
na torre mais alta o sino que tange, o som que se perde,
devotas de luto que batem joelhos, o sacristão que limpa os altares,
os mortos que pensam, sós, em silêncio, nas catacumbas e sacristias,
São Jorge com seu ginete,
o deus coberto de chagas, a virgem cortada de espadas,
e os passos da paixão, que jazem inertes na solidão.
Era uma vez um Aleijadinho,
não tinha dedo, não tinha mão,
raiva e cinzel, lá isso tinha,
era uma vez um Aleijadinho,
era uma vez muitas igrejas
com muitos paraísos e muitos infernos,
era uma vez São João, Ouro Preto,
Mariana, Sabará, Congonhas, era uma vez muitas cidades
e o Aleijadinho era uma vez.
No poema de Drummond, percebemos que o poeta pretendia homenagear o escultor mineiro como também chamar a atenção sobre o seu aspecto humano. O poeta – mineiro de Itabira – conduz o leitor em uma espécie de viagem (ou seria uma procissão?) pelas igrejas das cidades históricas de Minas Gerais (“São João, Ouro Preto, / Mariana, Sabará, Congonhas”). A função apelativa da linguagem é utilizada em diversos trechos, por meio de um verbo imperativo que se repete: “Vamos até à Matriz/ […] Vamos subindo a ladeira […] /Vamos subindo, vamos deixando…”. Enquanto o leitor aceita o convite, a obra de Aleijadinho é descrita: “querubins […] de róseas faces,/ de nádegas róseas e rechonchudas […] São Jorge com seu ginete, / o deus coberto de chagas, a virgem cortada de espadas”. Assim como Mário de Andrade, Drummond destaca o esquecimento sobre a importância de seu conterrâneo: “Vamos até à Matriz de Antônio Dias / Onde repousa, pó sem esperança, pó sem lembrança, o Aleijadinho.”
Cecília Meireles, em seu célebre Romanceiro da Inconfidência, também homenageou o artista mineiro:
A vastidão desses campos.
A alta muralha das serras.
As lavras inchadas de ouro.
Os diamantes entre as pedras.
Negros, índios e mulatos.
Almocrafes e gamelas.
Os rios todos virados.
Toda revirada, a terra.
Capitães, governadores,
padres, intendentes, poetas.
Carros, liteiras douradas,
cavalos de crina aberta
A água a transbordar das fontes.
Altares cheios de velas.
Cavalhadas, Luminárias.
Sinos. Procissões. Promessas.
Anjos e santos nascendo
em mãos de gangrena e lepra.
Finas músicas broslando
as alfaias das capelas.
Todos os sonhos barrocos
deslizando pelas pedras.
Pátios de seixos. Escadas.
Boticas. Pontes. Conversas.
Gente que chega e que passa.
E as ideias.
Murilo Mendes, outro poeta do Modernismo, também rendeu-lhe homenagem:
Ao Aleijadinho
Pálida a lua sob o pálio avança
Das estrelas de uma perdida infância.
Fatigados caminhos refazemos
Da outrora máquina da mineração.
É nossa própria forma, o frio molde
Que maduros tentamos atingir,
Volvendo à laje, à pedra de olhos facetados,
Sem crispação, matéria já domada.
O exemplo recebendo que ofereces
Pelo martírio teu enfim transposto,
Severo, machucado e rude Aleijadinho
Que te encerras na tenda com tua Bíblia,
Suplicando ao Senhor — infinito e esculpido —
Que sobre ti descanse os seus divinos pés.
Assista ao documentário O Aleijadinho. Observe que, em diversos momentos, são utilizados trechos de poemas modernistas com referência ao escultor:
Se não conseguir visualizar o player, clique AQUI.
Sugestão para o professor:
1. Se possível, convide o professor de Artes e façam uma atividade interdisciplinar.
-
Peça aos alunos para pesquisarem imagens das obras de Aleijadinho. Com professor da outra disciplina, promova um debate sobre a correspondência entre o período em que ocorrem o Barroco literário e o Barroco nas Artes Plásticas: as datas coincidem? Há aspectos comuns?
- Se houver alguma igreja do período Barroco em sua cidade, combine com o professor de Artes uma visita guiada ao espaço. Ela se assemelha em algum aspecto às igrejas barrocas que os alunos viram nas imagens encontradas em sites e livros? Por que há essa diferença?
2. Na aula de Língua Portuguesa, peça aos alunos para lerem os textos modernistas. Por que era importante para o movimento do século 20 exaltar a cultura nacional? Como os autores fazem essa abordagem?
Leia mais no blog:
Referências:
ANDRADE, C. D. O voo sobre as igrejas. Brejo das almas. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
MEIRELES, C. Romanceiro da Inconfidência. São Paulo: L&PM Pocket, 2013
MENDES, M. Ao Aleijadinho. Disponível em< http://blogdospoetas.com.br/poemas/ao-aleijadinho/>. Acesso em 27 ago 2014
REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL. As marcas de Aleijadinho. Ano V, n. 51, dez 2009, p. 16-26.