“Está sabendo da última treta da Linguística?”: foi a pergunta que ouvi de uma das minhas ex-estagiárias um tempo atrás. Para quem é carioca, treta é a gíria usada para designar uma confusão, um desentendimento, uma fofoca. Nesse caso, o bafafá (que também serve nesse caso) fora motivado pelo último livro do linguista Daniel Everett, “Linguagem: a história da maior invenção de todos os tempos”. Por uma incrível coincidência, uns dias depois, eu o recebi pela parceria que mantenho com a Editora Contexto. O pesquisador norte-americano questiona uma das principais teorias linguísticas: o inatismo da linguagem, defendido pela linguística gerativista de Noam Chomsky.
O gerativismo teve início em 1957, quando Chomsky publicou seu primeiro livro (Estruturas sintáticas) e divulgou suas teorias acerca da natureza mental da linguagem humana. A partir dessa obra, o professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) estabeleceu os três pilares de uma nova ciência da linguagem (a Linguística Gerativa): o mentalismo (existência de estruturas mentais formais e abstratas), combinatorialidade (as sentenças de uma língua não são organizadas aleatoriamente) e a aquisição (a criança nasce “equipada” geneticamente com uma gramática universal). Em “Linguagem e mente”, cuja primeira edição ocorreu em 1968, afirmou que “a linguística […] procura descobrir teorias verdadeiras de línguas-I particulares (gramáticas) e, num nível mais profundo, a teoria da base genética para a aquisição da linguagem (gramática universal)” (CHOMSKY, 2012, p. 9)
Everett, que é doutor em Linguística pela UNICAMP e professor de Ciências Cognitivas na Bentley University, questiona o caráter inato da linguagem. Pesquisador da língua pirahã, falada por uma pequena comunidade indígena amazônica, observou que aquela língua não possuía estruturas comuns encontradas em outras; não há, por exemplo, formas verbais para diferenciar passado e presente. Depois de sete anos vividos naquela comunidade, concluiu que a língua pirahã não segue um conceito básico da gramática universal: a possibilidade da recursividade; isto é, a inserção de frases dentro de outras frases indefinidamente. Enquanto Chomsky afirma ser a linguagem algo biológico, Everett diz ser uma construção cultural.
Em “Linguagem: a história da maior invenção de todos os tempos”, Everett afirma que a linguagem é anterior ao Homo sapiens e dá à cultura o protagonismo no surgimento dessa habilidade humana. O livro é composto por um prefácio, uma introdução e mais quatro partes. No prefácio, o autor nega que “a linguagem seja um instinto de qualquer tipo, assim como nega que ela seja inata ou congênita” (p.10), o que já havia feito em “Dark Matter of the Mind: the culturally articulated unconscius”.
Na primeira parte (“Os primeiros homini”), o professor analisa a evolução linguística do gênero humano (“Homo”) e atribui à espécie erectus a criação da linguagem como a conhecemos. Na segunda (“Adaptações biológicas humanas para a linguagem”), rebate a teoria gerativista de que a linguagem é algo exclusivamente biológico. Na terceira (“A evolução da forma linguística”) e na quarta (e “Evolução cultural da linguagem”), trata do surgimento da gramática e da língua como estrutura cultural; nas duas partes, o professor usa como epígrafe trechos de Edward Sapir, antropólogo e linguista norte-americano, cuja hipótese de pesquisa – elaborada em parceria com Benjamin Lee Whorf – ficou conhecida como relativismo linguístico. De acordo com Sapir e Whorf, a fala é uma “função cultural” (p.267), como se pode ler em “A linguagem: introdução ao estudo da fala”, publicado pelo antropólogo em 1921. Apesar de usada na abertura de dois capítulos seguidos, essa obra não está listada na bibliografia de Everett.
O leitor perceberá, ao concluir sua leitura, que Everett não descarta totalmente o caráter biológico da linguagem e isso fica evidente no capítulo “Como o cérebro torna a linguagem possível”; destaca, porém, que nem aquele órgão “nem o trato vocal evoluíram exclusivamente para a linguagem. No entanto, eles têm sofrido uma quantia relativamente grande de microevoluções para dar maior suporte à linguagem humana” (p. 185).
Além da leitura de “Linguagem: a história da maior invenção de todos os tempos”, indico também que o leitor assista ao documentário “Língua Pirahã – o Código do Amazonas” sobre o convívio do linguista Daniel Everett e com a tribo Pirahã.
Para comprar o livro, acesse a página Editora Contexto: https://www.editoracontexto.com.br/produto/linguagem-a-historia-da-maior-invencao-da-humanidade/1823669
Referências
CHOMSKY, N. Linguagem e mente. São Paulo: UNESP, 2009.
EVERETT, D. Linguagem: a história da maior invenção da humanidade. São Paulo: Contexto, 2019.
SAPIR, E. A linguagem: introdução ao estudo da fala. Linguística como ciência. Ensaios. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1969, p. 43-62. Disponível em https://www.docsity.com/pt/lingua-e-ambiente-edward-sapir/4705724/ . Acesso em 05 dez 2019.
*Nota: O link para o vídeo foi atualizado em 30/07/2021. O link indicado anteriormente parece ter sido excluído do YouTube.