“Era uma vez o carneirinho Bebé e a mãe do Carneirinho Bebé…”. Era assim que a minha mãe me colocava para dormir todas as noites: ela contava a narrativa de um carneirinho Bebé, que sempre ficava perdido. A mãe do carneirinho, muito zelosa, com medo de que o filhote fosse engolido pelo lobo, logo tratou de lhe pendurar um sininho no pescoço. Eu não lembro como a narrativa terminava, pois certamente eu adormecia antes do final. Eu sou do tempo em que os pais liam para os filhos e formavam leitores…
Meus pais, com muito esforço, compravam-me livros e revistas. O vendedor do Círculo do Livro vinha uma vez por semana e mostrava-nos um catálogo que eu adorava olhar, mas os livros eram caros e não podíamos comprar. Um dia, eu ganhei um livro do Círculo, A nova professora (presente da minha prima Izzi), e como fiquei feliz!
Eu me lembro de meu pai com jornal na mão e me dizendo que “jornal só é velho para quem já leu” – um ótimo argumento para o monte de revistas e jornais velhos acumulados em um canto da casa. E, naquele tempo em que ainda não haviam inventado a internet nem o “São Google”, ter essas coisas em casa era garantir uma ótima fonte de pesquisa para os trabalhos escolares.
Na casa do meu avô, havia uma biblioteca de aproximadamente uns 600 volumes. Ali também eu aprendi a ser leitora. Lembro-me no dia em que cheguei para passar as férias e ele escondeu o livro que eu deveria ler para a escola. Disse que era pra ler uma coisa decente e me mandou escolher outra coisa na estante. Foi a primeira vez que ele me deixou mexer lá sozinha – eu tinha 9 anos. Havia uma grande coleção colorida como um arco-íris: Clássicos da Literatura Juvenil (nem tão juvenil assim!). Com ela, eu descobri Os três mosqueteiros, Vinte mil léguas submarinas, O príncipe e o mendigo, Os irmãos corsos, Dom Quixote.
Eu lia aproximadamente um livro por semana. Eu ia até a estante, escolhia o livro e perguntava “Vô, posso levar esse?”. Depois, conquistei o direito de ler também os Grandes Clássicos da Literatura Universal, uma coleção que, assim como a primeira, também tinha 50 volumes. Descobri, então, que Os três mosqueteiros eram um livro muito maior do que eu pensava, não tinha gravura e não era infantil! Aos quinze anos, eu já tinha lido Madame Bovary e Ana Karenina – obras cuja importância só fui perceber dez anos depois e já formada em Letras. Aos quinze, deixei minha tia Suely Motta chocada por eu ter lido os russos!
Quando eu ingressei no Curso Normal (em 1988) aprendi que o nome daquilo que minha família fizera comigo era “ambiente alfabetizador”. Há culturas em que não existe língua escrita, mas há a tradição familiar de contar histórias. Conta-se a história dos antepassados, a crença em Deus (ou nos deuses); tudo aquilo que ajuda construir a própria identidade. Ana Maria Machado (2002) diz que é preciso ler os clássicos universais desde cedo e narra sua experiência de leitura ao ser apresentada ao Dom Quixote, de Cervantes, e à versão brasileira escrita por Monteiro Lobato; Carlos Drummond de Andrade (2009), no poema Infância, exaltou a leitura do Robinson Crusoé. Eu sempre gostei de ser presenteada e presentear com livros; para mim, isso é quase um elogio. E para você? Quando foi a última vez que você ganhou ou deu livros de presente? Conte nos comentários.
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Nota: Este texto é uma adaptação de outro publicado pela primeira vez em meu blog Leio o Mundo Assim, que teria completado 10 anos em 2017, mas está desativado desde 2012. Eu o li dias atrás e estou selecionando alguns textos antigos cujas temáticas sejam similares ao Conversa de Português .
Referências:
ANDRADE, C. D. Infância. Antologia poética. 63.ed. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 93.
MACHADO, A.M. Por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.