É possível utilizar um texto contemporâneo para abordar os temas literários do século XIX? Como estabelecer tal relação? Recentemente, em uma de minhas turmas do segundo ano do Ensino Médio, eu utilizei o filme Quanto vale ou é por quilo?, produzido em 2005 e dirigido pelo cineasta Sérgio Bianchi. Os objetivos da aula eram compreender a produção literária da terceira geração do Romantismo brasileiro e refletir sobre o negro na sociedade brasileira atual. Veja abaixo a descrição de duas aulas sobre o tema.
Na primeira aula*, eu e meus alunos lemos alguns textos daquele movimento literário como, por exemplo, o célebre Navio negreiro, de Castro Alves. Como acompanhamento para a leitura do texto impresso, exibi uma montagem realizada com trechos do filme Amistad , dirigido por Steven Spielberg. Após a leitura e audição do texto completo, eles perceberam perceberam alusões à violência física, mortes, questionamentos políticos.
E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais…
Se o velho arqueja… se no chão resvala,
Ouvem-se gritos…o chicote estala
E voam mais e mais…
Presa nos elos de uma só cadeia
A multidão faminta cambaleia
E chora e dança ali…
Um de raiva delira, outro enlouquece…
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando geme e ri…
[…]
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de Bacante fria!
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta
Que imprudente na gávea tripudia?!
Silêncio! Musa! Chora, chora tanto,
Que o pavilhão se lave no teu pranto..
Poema Navio negreiro, de Castro Alves. Cenas do filme Amistad. Narração: Paulo Autran. Se não conseguir visualizar o player, clique aqui para assistir no YouTube.
Na segunda aula, eu e os alunos dedicamo-nos ao debate sobre a situação da população negra no século XIX e nos dois séculos seguintes. Um dos tópicos da conversa foi a região carioca conhecida como Cais do Valongo e o cemitério dos pretos. Para incentivar a discussão, apresentei o documentário Cemitério dos Pretos Novos, produzido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro:
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Na sequência, ouvimos um podcast da historiadora Mary Del Priore sobre a importância da imprensa negra no processo de abolição da escravatura. Expliquei aos alunos que muitos textos eram publicados nos jornais, dividindo espaço com os classificados de venda, aluguel de negros, bem como o anúncio de recompensa para quem capturasse os escravos fujões. A turma compreendeu que a literatura da época foi usada como estratégia intensa de divulgação do movimentos republicanos e abolicionistas.
Se não conseguir visualizar o player, ouça o podcast no site da Rádio CBN!
Após ouvir o podcast e debater sobre o tema apresentado pela historiadora, apresentei à turma o filme Quanto vale ou é por quilo, produzido em 2005 e dirigido por Sérgio Bianchi. A produção estabelece uma analogia entre o comércio de escravos e a exploração da miséria como estratégia de marketing. Um dos momentos mais interessantes do filme são as sequências em que documentos do Arquivo Nacional são dramatizados com o propósito de mostrar a relação entre senhores e escravos no século XVIII.
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Observação: A carga horária da aula de língua portuguesa é de 3h de duração em um mesmo dia da semana.