Há muito tempo eu não recebia turmas do primeiro ano do Ensino Médio. Em 2016, estou com um grupo bem interessante (e interessado!), o que me inspira a fazer algumas coisas diferentes. Na instituição em que trabalho, o tema figuras de linguagem é um dos itens do programa de ensino no primeiro ano. Hoje, na coluna Sala de Aula, publico uma das atividades desenvolvidas com meus alunos.
A apresentação do tema foi feita em 2 aulas (1h30 cada):
Aula 1
Os alunos receberam uma cópia dos poemas Favelário nacional e Morte do leiteiro, de Carlos Drummond de Andrade. O primeiro texto foi escrito pelo poeta após a grande enchente de 1966, que resultou em desabamentos e mortes em diversas cidades do estado do Rio de Janeiro. O segundo tem como tema a violência das grandes cidades.
Leitura do texto I: Favelário nacional
1ª etapa: Compreensão do significado do título do primeiro poema.
- O que significa a palavra favelário? Como ela foi formada? Em que outras palavras a turma já viu o sufixo -ário e o que ele indica? Já é uma palavra dicionarizada? – O professor pode aproveitar para abordar um dos processos de formação de palavras da língua portuguesa: o neologismo. Também é provável que os alunos queiram saber como as palavras são incorporadas ao dicionário e o professor poderá explicar rapidamente o que é lexicografia.
2ª etapa: Identificação de trechos que demonstrem a crítica do autor quanto ao preconceito vivido pelos moradores da favela e ao descaso do governo.
- O eu lírico demonstra algum tipo de preconceito em relação aos moradores da favela? Essa atividade é comum nos dias atuais? De acordo com o texto, como os governos tratam as comunidades faveladas? Os alunos deverão responder com os trechos abaixo ou outros ao longo do poema:
Sei apenas do teu mau cheiro: baixou em mim na viração,
direto, rápido, telegrama nasal
anunciando morte… melhor, tua vida.
[…]
Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer,
medo só de te sentir, encravada
favela, erisipela, mal-do-monte
na coxa flava do Rio de Janeiro.
[…]
Por que Brasília resplandece
ante a pobreza exposta dos casebres
de Ceilândia,
filhos da majestade de Brasília?
3ª etapa: Identificação e compreensão das figuras de linguagem usadas no texto I.
- O professor deve mostrar aos alunos que o poema é dividido em 21 partes e deve pedir à turma que releia a primeira parte e, a partir desse momento, pode ser feita a introdução do tema figuras de linguagem.
1. Prosopopéia
(à memória de Alceu de Amoroso Lima, que me convidou a olhar para as favelas do Rio de Janeiro.)
Quem sou eu para te cantar, favela,
que cantas em mim e para ninguém a noite inteira de sexta
e a noite inteira de sábado
e nos desconheces, como igualmente não te conhecemos?
Sei apenas do teu mau cheiro: baixou em mim na viração,
direto, rápido, telegrama nasal
anunciando morte… melhor, tua vida.
O texto I permite ao professor introduzir os conceitos de prosopopeia, apóstrofe, metáfora, hipérbole, ironia, metonímia, aliteração, anáfora.
Ao final da aula, o professor pode propor outras atividades de reconhecimento das figuras de linguagem, como uma lista de exercícios, por exemplo.
Aula 2
Leitura do texto II: Morte do leiteiro
1ª etapa: Compreensão geral do texto
- O professor pode mostrar aos alunos que, embora o texto seja um poema, uma narrativa é contada no texto: uma cidade ainda adormecida na madrugada, moradores preocupados com os índices de violência e uma crise econômica, um trabalhador noturno brutalmente assassinado.
Há pouco leite no país
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda
que ladrão se mata com tiro.
[…]
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.
Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? Se pega com tiro.
2ª etapa: Identificação e compreensão das figuras de linguagem usadas no texto II.
- Os alunos já foram apresentados às diversas figuras de linguagem por meio do texto I. Nessa etapa, a turma pode reconhecer algumas delas no texto II e o professor pode aproveitar para apresentar outras. São utilizadas no texto II: metáfora, prosopopeia, hipérbole, eufemismo, elipse, aliteração.
Proposta de atividade:
No final da aula, o professor proporá a seguinte atividade para ser realizada em casa e entregue na terceira aula:
Atividade de pesquisa
Pesquise e selecione tirinhas em que se observem, ao menos, duas figuras de linguagem. Para realizar a tarefa, siga as orientações abaixo:
- Selecione bem as tirinhas. Leia-as com atenção e tente identificar figuras de linguagem que contribuam para o efeito de humor.
- Identifique as figuras de linguagem presentes no texto escolhido.
- Explicite o conceito de cada figura.
- Explique o sentido construído por meio das figuras em cada tirinha escolhida.
Observe o modelo abaixo:
Figura: Ironia
Conceito: A ironia é uma figura de pensamento que consiste em usar uma palavra ou expressão para expressar uma ideia contrária àquilo que realmente se pretende dizer.
Justificativa: O elemento irônico consiste em o rei achar que estava sendo elogiado, enquanto a dama, na verdade, questionava a sua autoridade.
Atenção: O objetivo da atividade é fazer com que os estudantes percebam como as figuras de linguagem contribuem para a construção dos sentidos do texto. Seria um equívoco utilizar tal tarefa com o propósito de fazer os alunos decorarem conceitos.
Outra sugestão para o professor: Apresentar aos alunos a leitura feito pelo autor do poema. Se não conseguir visualizar o player, clique AQUI.
Leia mais no blog:
Inventando palavras: neologismo
Lexicografia: como uma palavra vai parar no dicionário?
Referências bibliográficas:
ANDRADE, C.D. Favelário nacional. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984. p. 109-1122.
________ Morte do leiteiro. A rosa do povo. 28.ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 108-110