Uma importante revista publicou hoje, 14 de fevereiro, matéria sobre a descoberta do primeiro grupo de ciberespionagem brasileiro, o Poseidon. De acordo com o redator, o que identificou os brasileiros foi o uso do gerundismo. Antes de rir dos nossos espiões, pergunte-se: você sabe usar o gerúndio?
O autor da matéria afirma que a nacionalidade dos hackers foi identificada “porque o uso desse tempo verbal não é comum em outros países de língua portuguesa”. Infelizmente, ao comentar um erro, ele acabou por cometer outro: o gerúndio não é um tempo verbal! Ele é uma forma nominal do verbo.
Quais são as formas nominais?
As formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio) são aquelas que não indicam nem o tempo (Quando a ação verbal ocorreu?), nem o modo (Qual é a atitude expressa na frase? Ordem? Súplica? Certeza? Dúvida? Suposição?). Assim, seu valor temporal e modal só podem ser compreendidos pelo contexto.
O infinitivo
Indica a ação verbal propriamente dita. O infinitivo é a forma verbal que reconhecemos por meio da desinência –r (andar, correr, dormir). Leia mais sobre o assunto em nosso texto Estrutura de palavras: desinências.
O particípio
É uma forma nominal importantíssima no sistema verbal, pois é aquela que permite a formação dos tempos compostos. Nós a identificamos, em sua forma regular, pelas terminações -ado e –ido. Leia sobre os particípios regulares e irregulares em nosso texto O que são verbos abundantes?
Gerúndio
O elemento mórfico que o caracteriza é a desinência -ndo. Indica um processo verbal em curso e tem características muito próximas às dos adjetivos e advérbios. Observe:
A empregada serviu uma sopa fervendo. – valor adjetivo
“Caminhando e cantando e seguindo a canção / somos todos iguais, braços dados ou não” (Pra não dizer que não falei das flores. Geraldo Vandré) – valor adverbial
Como já expliquei em outros artigos do blog, o gerúndio apresenta duas formas: uma simples (lendo) e outra composta (tendo ou havendo lido). Em sua forma simples (aquela terminada em –ndo, como em pulando, comendo, dormindo), expressa uma ação contínua. Em sua forma composta (dois verbos), indica uma ação durativa ou uma ação concluída antes da expressa pelo verbo da oração principal. Observe os exemplos abaixo:
“Estou lendo um livro de Umberto Eco” – A locução indica que há uma ação em processo; portanto, não concluída. Compare com “Eu li um livro de Umberto Eco”.
“Tendo terminado a leitura do livro, saí com minhas amigas.”- A ação concluída antecipa a saída com as amigas.
“Eu ando acordando com dores nas costas.” – A locução enfatiza uma ação durativa ou a insistência de um acontecimento.
“A conversa estava boa, o tempo foi passando e perdemos a hora do ônibus.” – O verbo seguido de gerúndio expressa uma ação durativa realizada progressivamente.
“Andando!” (=Vá andando! Ande!) – O gerúndio pode, na língua coloquial, substituir o modo imperativo.
O gerúndio pode, também, expressar uma ideia imperativa: “Andando! Já para o banho!”
O que, então, é o tal gerundismo?
Gerundismo é o termo pelo qual ficou conhecido um tipo de construção cujo sentido é estranho à formação dos tempos compostos da língua portuguesa e àquilo que eles, de fato, indicam. Observe as duas frases abaixo:
1. “Não posso sair com você às 14h, pois vou estar dando aula.”
2. “A senhora vai estar recebendo seu cartão de crédito nos próximos quinze dias.”
Por que a primeira frase é gramaticalmente aceita e a segunda não?
Na frase 1, temos o anúncio de uma ação verbal futura e concomitante a uma outra ação expressa no período (sair às 14h). Na frase 2, o mau uso do gerúndio dá a entender que o cliente receberá o tal cartão infinitamente. Lembre-se: o gerúndio indica uma ação contínua! Quantos cartões o banco enviará ao tal cliente e por quanto tempo? Um só, certo? Então, o uso daquela forma nominal não se justifica!
Em língua portuguesa, apenas o gerúndio transmite esse aspecto durativo da ação verbal?
Não! Há uma outra forma menos comum no português brasileiro, mas bem mais usada no português europeu. “Quando regido da preposição A, o infinitivo equivale a um gerúndio nas locuções formadas com os verbos estar, andar, ficar, viver e semelhantes” (CUNHA & CINTRA, 2008, p. 500). Ex.: “Estou a ler um livro de Humberto Eco”.
Referência bibliográfica:
AGRELA, L. Grupo de espionagem brasileiro é identificado por gerundismo. Revista Exame. Disponível em <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/grupo-de-espionagem-brasileiro-e-identificado-por-gerundismo> Acesso em 14 fev 2016.
CUNHA, C; CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.
encontrei seu blog no google, e já me ajudou bastante, obrigado!
Obrigada pela visita!