O tópico variação e variedade linguística é comum no primeiro ano do Ensino Médio, como uma tentativa de atender ao que determinam os Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio, Língua Portuguesa (PCN). Eu me pergunto se a escola tem sido eficaz no tratamento desse assunto e se tem cumprido o seu papel de mostrar que a expressão linguística é algo que nos individualiza. Ou será que a instituição tem reforçado as desigualdades sociais que se manifestam por meio da linguagem? Foi a partir dessas perguntas que dois alunos meus – Alana e David, estudantes do Curso Técnico em Controle Ambiental e Curso Técnico em Química, respectivamente – bolaram, no final do ano passado, a oficina Preconceito linguístico e preconceito social:uma batalha que nunca termina.
Como já expliquei aqui no blog, a instituição em que trabalho organiza o Ensino Médio em períodos letivos (como acontece no Ensino Superior). No primeiro período, as minhas turmas leram o livro A língua de Eulália: uma novela sociolinguística. Nessa obra, o professor Marcos Bagno discute, em forma de narrativa, os mitos de linguagem abordados na obra Preconceito linguístico: o que é e como se faz: “O português do Brasil apresenta uma unidade surpreendente”, “Brasileiro não sabe português. Só em Portugal se fala bem português.”, “Português é muito difícil.”, “As pessoas sem instrução falam errado.”e “O certo é falar assim porque se escreve assim.”. Após a leitura, promovemos um debate em que os alunos apresentaram suas considerações acerca do livro e da proposta do pesquisador. Eu me recuso a aplicar prova sobre livro, pois não vejo utilidade nisso! O que os garotos aprenderam? É inconcebível ridicularizar alguém por conta de sua expressão linguística, qualquer que seja ela!
A escolha daquele texto deu-se em atendimento ao disposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio, Língua Portuguesa, que apontam para o desenvolvimento da competência linguística interativa:
[…]
Os sujeitos que participam do processo de ensino e aprendizagem devem ter consciência de que qualquer língua, entre elas a portuguesa, comporta um grande número de variedades linguísticas, que devem ser respeitadas.
[…]
Cabe à escola propiciar que o aluno participe de diversas situações de discurso, na fala ou na escrita, para que tenha oportunidade de avaliar a adequação das variedades linguísticas às circunstâncias comunicativas.
A norma culta, considerada com uma das variedades de maior prestígio quando se trata de avaliar a competência interativa dos usuários de uma língua, deve ter lugar garantido na escola, mas não pode ser a única privilegiada no processo de conhecimento linguístico proporcionado ao aluno. (BRASIL, 2000, p. 72 – grifo meu)
Alana e David procuraram-me no período letivo seguinte – em que já não eram mais meus alunos – e pediram minha orientação em um projeto em que um dos objetivos seria o seguinte: “Incentivar, no ambiente escolar, a discussão acerca das consequências do preconceito linguístico e social”. É lógico que topei na hora! Eu, no entanto, os desafiei: antes de qualquer proposta de ação, era necessário ler mais do que uma obra de ficção como A língua de Eulália. Levei para eles alguns livros que faziam parte do meu repertório como estudiosa de linguagem. Leram os PCN; Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação, de M. Mollica; Linguagem na escola, de Magda Soares, Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, e alguns outros de Bagno. O livro de Carolina foi sugerido pelos alunos, pois, de acordo com sua percepção, a variedade linguística da autora não a impediu de ser umas das maiores escritoras do Brasil.
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Como resultado de tanta leitura, Alana e David construíram a atividade, cujo público alvo deveria ser formado por professores, estudantes de licenciaturas, pedagogos; eu não interferi nessa escolha! Nas redes sociais, selecionaram textos verbais e não verbais compartilhados com o intuito de ridicularizar outras pessoas por sua origem social ou expressão linguística. Escolheram, no YouTube, duas entrevistas em que o professor Bagno explica como se dá o preconceito linguístico.
Escolheram, ainda, um vídeo sobre a obra da escritora Carolina Maria de Jesus. A proposta de ambos era demonstrar que, se dois adolescentes de 16 anos são capazes de pensar em educação linguística, professores e futuros docentes têm obrigação de fazê-lo – e isso independe da sua disciplina de atuação! Além da oficina, também enviamos o projeto ao evento FEBRACE – categoria Educação.
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Neste semestre letivo (2015/1), estou responsável pela disciplina Comunicação e Informação, componente curricular da Licenciatura em Física no campus em que trabalho. Na primeira aula do período, eu reproduzi a atividade proposta pelo David e a Alana, como um alerta aos futuros professores: educadores não podem ser agentes de preconceitos de nenhuma espécie!
*Atualizado em 15/07/2016.
Muito bom!!!
Ah, que lindo, professora!
Amei o post. Bom saber que o nosso trabalho surtiu efeitos.
Beijos!
Alana, eu adorei essa oficina e vou fazer de novo sempre que for possível! Beijos!