A literatura reflete as características sociais e políticas de um povo; por essa razão, ao observamos a história da literatura brasileira, por exemplo, encontramos textos com as impressões de navegantes e de padres jesuítas; as campanhas em prol da república e da abolição; a descrição da vida no sertão e a fome; o desejo político de uma vida justa para todos. Nossa literatura também é rica na descrição de nossas manifestações populares e o Carnaval brasileiro foi citado por diversos autores.
Em 1919, Manuel Bandeira publicou a coletânea Carnaval, que reunia poemas escritos entre 1918 e o ano da publicação. Um desses textos é o Bacanal, cujo título alude à permissividade do período festivo e também a uma suposta origem da festa: as celebrações em homenagem ao deus Baco.
Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz um caco…
Evoé Baco!
Lá se me parte a alma levada no torvelim da mascarada,
A gargalhar um doudo assomo…
Evoé Momo!
Lacem-na toda, multicolores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívios venenos…
Evoé Vênus!
Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?…
– Vinhos!… o vinho que é meu fraco!…
Evoé Baco!
O alfange rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!…
Evoé Momo!
A lira etérea, a grande Lira!…
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoé Vênus! (BANDEIRA, 2001, p. 29-30)
Em 1925, Aníbal Machado publicou o conto A morte da porta-estandarte. A narrativa cita alguns importantes pontos do Rio de Janeiro. O primeiro citado é Madureira, bairro da zona norte, associado a duas tradicionais escolas de samba: Portela (fundada em 1923) e Império Serrano (fundado em 1947); o segundo é a Praça da República e a Praça Onze, palco dos desfiles das escolas de samba e blocos carnavalescos.
Que adianta ao negro ficar olhando para as bandas do Mangue ou para os lados da Central?
Madureira é longe e a amada só pela madrugada entrará na praça, à frente do seu cordão.
Se o negro soubesse que luz sinistra estão destilando seus olhos e deixando escapar como as primeiras fumaças pelas frestas de uma casa onde o incêndio apenas começou!…
[…]
Ó Praça Onze, ardente e tenebrosa, haverá ponto no Brasil em que, por esta noite sem fim, haja mais vida explodindo, mais movimento e tumulto humano, do que nesse aquário reboante e multicor em que as casas, as pontes, as árvores, os postes parecem tremer e dançar em conivência com as criaturas, e a convite de um Deus obscuro que convocou a todos pela voz desse clarim de fim do mundo?… (MACHADO, 2011)
Em 1931, Jorge Amado publicou seu primeiro romance, O país do Carnaval. O autor, então com 19 anos, trazia para a literatura brasileira a descrição de uma das principais festas do país. O personagem principal, Paulo Rigger é um brasileiro que não se identifica com o Brasil e a sua cultura festiva. O rapaz passara anos estudando em Paris e o seu retorno à terra natal é um período conturbado: após estudar tanta filosofia e política, Rigger considera a festa popular uma forma de alienação. Em 1937, o livro foi considerado subversivo pelo Estado Novo e os exemplares, queimados em praça pública.
Em Dona Flor e seus dois maridos, publicado originalmente em 1966, Amado usa a festa novamente; dessa vez, para caracterizar Vadinho, o primeiro marido da protagonista, aquele que morrera na festa do Momo:
Vadinho, o primeiro marido de Dona Flor, morreu num domingo de carnaval, pela manhã, quando, fantasiado de baiana, sambava num bloco, na maior empolgação, no Largo Dois de Julho, não longe de casa. Não pertencia ao bloco, acabara de nele misturar-se, em companhia de mais quatro amigos, todos com traje de baiana, e vinham de um bar no Cabeça onde o uísque correra farto à custa de um certo Moysés Alves, fazendeiro de cacau, rico e perdulário. (AMADO, 2001, p. 3)
Como exemplo usamos apenas alguns textos, mas outros autores usaram o Carnaval como fonte de inspiração. E você, leitor, lembra de algum? Deixe seu comentário aqui no blog e participe!
Referências:
AMADO, J. País do Carnaval. São Paulo: Companhia das Letras, 1931 . Disponível em <http://www.jorgeamado.com.br/obra.php3?codigo=12615>
________. Dona Flor e seus dois maridos. São Paulo: Record, 2001.
BANDEIRA, M. Bacanal. Antologia Poética. 12.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 29-30
MACHADO, A. A morte da porta-estandarte. In: SETTI, R. Histórias de Carnaval. Revista VEJA on line, 2011. Disponível em <http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tema-livre/historias-de-carnaval-a-morte-da-porta-estandarte-anibal-machado/>. Acesso em 13 fev 2015.