2014 é ano de eleição e, antes mesmo que a propaganda eleitoral comece, o debate já se intensifica em redes sociais, como o Facebook. Discute-se desde o caráter dos pré-candidatos até a validade de programas desenvolvidos pelo governo federal. Hoje, vi-me envolvida em uma dessas querelas, cujo tema – ou alvo de ataque, visto o ânimo da discussão – era o Programa Bolsa-Família. O que normalmente se vê naquela rede, quando o tema é esse programa especificamente, é a frase “Não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar”; um clichê clássico, que mascara muitas ideologias. Após escrever lá as minhas considerações, fiquei pensando em que medida a fome interfere na educação. E, antes que alguém questione o motivo de abordar isso aqui no Conversa de Português, repito o que está no cabeçalho: língua portuguesa, literatura e EDUCAÇÃO!
Ao contrário do que muitos pensam – e o atual governo federal também! – o Programa Bolsa-Família (criado em 2003) não é a invenção da roda! Ações semelhantes aconteceram nas gestões anteriores: o Programa Bolsa-Escola foi implantado pelo governo federal em 2001, a partir de um projeto elaborado por Cristovam Buarque em 1986, quando ele ainda era reitor da Universidade de Brasília (UnB). Nesse programa, a renda per capita deveria ser de até R$90,00 e a família recebia um benefício de R$15,00 por filho, até o máximo de três crianças ou adolescentes! O programa atual – criado com base em índices da ONU – oferece benefícios que não ultrapassam R$336,00 e atende a famílias pobres ou em situação de extrema pobreza. De acordo com a Organização, a renda per capita de uma família brasileira em pobreza extrema chega a, no máximo, R$ 77,00 (setenta e sete reais), enquanto a de uma família pobre não passa de R$ 154,00 (cento e cinquenta e quatro )por mês. É, portanto, uma questão de matemática básica, “continha de dividir”: se, por exemplo, a família tem 10 pessoas e a renda total dividida por dez for inferior a R$154,00, eles terão direito ao Bolsa-Família (Não farei juízo de valor sobre ser uma quantia justa ou injusta!). Além disso, somente famílias compostas por gestantes e crianças e adolescentes até 17 anos têm direito a receber o benefício. Qual é o objetivo geral do atual programa? Garantir o direito à alimentação e o acesso à saúde e à educação!
Em 1990, a Organização das Nações Unidas lançou o Programa de Desenvolvimento Humano, cujos objetivos devem ser alcançados até 2015: redução da pobreza, ensino básico universal, igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres, redução da mortalidade infantil, melhoria da saúde da mulher, combate à AIDS e outras doenças, sustentabilidade ambiental e parcerias para o desenvolvimento. Não é preciso pensar muito para perceber que tanto o governo atual quanto os seus antecessores criaram programas em atendimento às determinações do órgão internacional. Voltamos, pois, ao título deste post! Criança bem alimentada e saudável aprende melhor!
Crianças desnutridas ou com carência alimentar apresentam baixa concentração e dificuldade de assimilação, o que compromete o rendimento escolar! Um estudo realizado em Fortaleza e publicado em 2006 constatou que crianças com dificuldade de atenção, problemas de coordenação motora e comprometimento na aquisição e formulação do conhecimento possuem alimentação insuficiente e inadequada (FROTA, 2009, p. 279). Os pesquisadores citam as pesquisas da UNICEF, mostram os índices de desnutrição infantil no período de 1996 a 2005 e apontam os programas de transferência de renda como fator de queda de tais índices.
Enquanto uma busca em textos acadêmicos sobre o assunto mostra que muitos estudiosos consideram a desnutrição como um fator a ser considerado para o processo de aprendizagem, há os que defendem o oposto. Sawaya (2006) questiona os estudos que abordam o comprometimento intelectual em idade escolar como consequência da desnutrição. A estudiosa afirma que existe uma confusão conceitual acerca do que é fome e do que é desnutrição. Ela afirma:
a fome é a necessidade básica de alimento que, quando não satisfeita, diminui a disponibilidade de qualquer ser humano para as atividades cotidianas e também para as atividades intelectuais. Porém, uma vez satisfeita a necessidade de alimentação, cessam todos os seus efeitos negativos, sem quaisquer seqüelas. A desnutrição, por sua vez, ocorre quando a fome se mantém em intensidade e tempo tão prolongados, que passam a interferir no suprimento energético do organismo. Para manter seu metabolismo em funcionamento, o corpo adota uma série de medidas de “contenção de gasto”. Nos casos mais leves (a chamada desnutrição grau I ou leve), o organismo diminui a taxa de crescimento: o corpo mantém todo o metabolismo normal à custa do sacrifício na velocidade de crescimento. (SAWAYA, 2006)
Independentemente das questões partidárias que envolvem as discussões às vésperas de um processo eleitoral, apesar das críticas aos programas de governo (se são assistenciais ou assistencialistas), o fato é que ainda há, no Brasil, gente que (sobre)vive em condições de pobreza extrema. A tal ideia de “ensinar a pescar” é muito lógica pra quem já garantiu o peixe nosso de cada dia, está de prato cheio e já pode levantar bandeira de revolucionário. Pra quem tem emprego miserável, sustenta um monte de filho e não sabe se terá comida no dia seguinte, não há tempo de aprender a tal “pesca”; é preciso garantir todo dia o sustento dos seus, ainda que o peixe pareça uma esmola.
Leia fora do blog:
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Bolsa-Família: perguntas frequentes. Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/voce/Social/Transferencia/bolsa_familia/index.asp> Acesso em 02 jul 2014.
FROTA et ali. Má alimentação: fator que influencia na aprendizagem de crianças de uma escola pública. Revista APS, v. 12, n.3, p. 278-284, jun. / set 2009.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.Oito objetivos para 2015. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/ODM.aspx> Acesso em 02 jul 2014.
SAWAYA, Sandra Maria. Desnutrição e baixo rendimento escolar: contribuições críticas. Estud. av., São Paulo , v. 20, n. 58, dez. 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142006000300015&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 02 jul. 2014.
Excelente texto. Em tempos que a novela a estrear as nove horas na rede Globo vai depreciar o Bolsa Família, fazendo a sua propaganda eleitoral fora do horário destinado, será fundamental propagar esclarecimentos aqui contidos aos quatro cantos.
Jaqueline, precisamos mesmo falar disso aos quatro cantos! Eu me preocupo com os adolescentes que repetem os absurdos sem questionar.
Fez muito bem,Andréa !Parece que a ignorância tomou conta das redes sociais.Tô cansada de gente desinformada, postando bobagens.Nem leio mais! E essa foi uma das razões pelos quais eu saí do facebook.
Genial esse post! Só quem trabalha em escolas públicas de periferia (antes e depois dos programas), sabe/ entende como essa ajuda é importante para nossos alunos e suas famílias.E o melhor: com essa ajuda, já conheço famílias que conseguiram melhorar e não mais precisam do auxílio. Ensinar a pescar é fácil, pra quem ganha carro de presente, porque passou no vestibular.
Fátima, eu resolvi escrever depois de ler coisas absurdas no Facebook. Já vi amigos meus e de outros classificarem os pais como vagabundos e as mães como desocupadas. Além de isso não corresponder à maioria dos beneficiados pelos programas de transferência de renda, ainda demonstra preconceito absurdo e o quanto as pessoas falam de coisas que não conhecem. Eu tenho cansaço de gente que se deixa influenciar por comentário no Facebook, antes mesmo de procurar a informação correta!