O escritor Ariano Suassuna faleceu em 23 de julho de 2014. O paraibano era o autor de clássicos como o Auto da Compadecida e Uma mulher vestida de Sol, obras que já foram adaptadas para o cinema e a televisão. Sua obra carrega as influências dos teatros medievais e da literatura de cordel.
Ariano era um entusiasta da literatura popular. Com essa inspiração, fundou, em 1970, o Movimento Armorial, com a colaboração de artistas nordestinos e a Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco. A arte armorial unia literatura de cordel, a música de viola, a dança, a pintura e a xilogravura. O objetivo era unir a cultura erudita e a arte popular brasileira. Assim, o próprio Ariano uniu às suas obras o que já era conhecido por meio da literatura de cordel. Um exemplo disso é sua peça teatral Auto da Compadecida. Alguns episódios da peça baseiam-se em folhetos da tradição popular nordestina: O dinheiro, O castigo da soberba, O enterro do cachorro e História do cavalo que defecava dinheiro.
Foi na venda e de lá trouxe
três moedas de cruzado,
sem dizer nada a ninguém,
para não ser censurado:
no fiofó do cavalo
fez o dinheiro guardado.
[…]
Disse o pobre: – “Ele é magro,
só tem o osso e o couro,
porém, tratando-se dele,
meu cavalo é um tesouro.
Basta dizer que defeca
níquel, prata, cobre e ouro.
O Auto, de Suassuna, tem muitas referências às comédias medievais e renascentistas, como o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, poeta português do século 16. Os textos teatrais pré-vicentinos eram profanos ou religiosos. Na primeira categoria, estavam os textos mímicos em que os personagens fantasiavam-se de animais; na segunda, o povo participava da encenação de mistérios (encenações da vida de Cristo, especialmente na Páscoa e no Natal), de moralidades (vidas dos santos) e das moralidades (alegorias sobre os vícios e as virtudes). Vicente usou a mesma estrutura dos autos religiosos para fazer sua crítica à sociedade da época. No teatro vicentino, estavam presentes os padres libertinos, os juízes corruptos, as mulheres adúlteras, os comerciantes falidos. Apesar da crítica contundente que fazia ao clero, o português não questionava os dogmas religiosos, mas, sim, a administração da instituição religiosa; criticava o patrimônio das ordens religiosas e denunciava o relacionamento que alguns sacerdotes mantinham com mulheres:
Frade: Juro Deus que não t’entendo!
E est’hábito que me val?
Diabo: Gentil padre mundanal,
a Berzabu vos encomendo!
Frade: Ah, Corpo de Deus consagrado!
Pela fé de Jesus Cristo,
qu’eu não posso entender isto!
Eu hei de ser condenado?
Um padre tão namorado
e tanto dado à virtude!
Assi Deus me dê saúde
que eu estou maravilhado!
[…]
Não vai em tal caravela
Minha senhora Florença.
Como? Por ser enamorado
e folgar com uma mulher
se há um frade de perder,
com tanto salmo rezado?
A obra de Ariano tem personagens bastante semelhantes aos dos autos vicentinos: o bispo, o padre, o comerciante e a esposa adúltera, o palhaço (que parece ter saído de um teatro mambembe e serve como mestre de cerimônias antes da peça), os dois parvos (Chicó e João Grilo), os personagens religiosos (o Diabo, o Encourado, Manoel e a Compadecida). Da mesma forma, presta-se à crítica social: João Grilo e Chicó enganam o matador Severino com a falsa promessa de encontrar Padre Cícero no Paraíso; as relações trabalhistas presentes no descaso com o que o padeiro trata os seus empregados; o pecado de simonia cometido pelo padre e pelo bispo; o preconceito racial, cujas referências estão na surpresa de João ao deparar-se com um Cristo negro. Assim como no auto de Gil Vicente, os dogmas católicos não são questionados; a tradição de que Maria é intercessora é reforçada pelo texto de Suassuna, como podemos conferir nessa adaptação feita para o cinema em 2000:
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Ariano é um dos escritores mais importantes da literatura de língua portuguesa. O que nos deixa como herança é o seu desejo de ver a cultura brasileira valorizada sem preconceitos e academicismo. Para o leitor de Suassuna, fica claro que sua inspiração vem do saber do povo!
Bibliografia:
SUASSUNA, A. Auto da Compadecida. 35.ed. São Paulo: Agir, 2005.
VICENTE, G. Auto da barca do inferno. Farsa de Inês Pereira. Auto da Índia. 5.ed. São Paulo: Ática, 2008.
Obs.: Para ler a biografia de Ariano Vilar Suassuna, acesse o site da Academia Brasileira de Letras. Clique AQUI.
O poeta Ariano Suassuna não é pernambucano.O mesmo é paraibano!
Maria Aparecida, já fizemos a correção. Obrigada por nos alertar!