21 de abril marca o dia da execução do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Sua morte, em 1792, foi consequência do movimento que ficou conhecido como Inconfidência Mineira – termo contestado pelos historiadores, uma vez que este sugere a ideia de infidelidade. Em 1953, a poetisa Cecília Meireles publicou uma coletânea de poemas intitulada Romanceiro da Inconfidência e, neste artigo, veremos como ela retratou literariamente aquele importante momento histórico.
O romanceiro, gênero de origem medieval, caracteriza-se pela coleção de poemas e canções populares produzidas em torno de um tema único; não devemos, portanto, confundi-lo com os romances difundidos largamente a partir o século XIX pelo Romantismo. Assim, compreendemos que a obra da poetisa modernista é uma coleção de poemas sobre a Inconfidência Mineira.
Cecília separou a obra em 85 romances que apresentam vários aspectos e personalidades importantes de Minas Gerais na época de Tiradentes: é possível ver suas impressões tanto da extração do ouro quanto das histórias acerca de Chica da Silva; do mesmo modo, não nos deixa esquecer a participação dos poetas árcades Alvarenga Peixoto, Claudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga.
É bastante evidente em toda a obra a intensa pesquisa histórica feita por sua autora, apesar de ser uma obra literária. Cecília cita alguns nomes importantes no movimento: Bárbara Heliodora, Xavier Fernandes, João Fernandes, Silvério dos Reis, Juliana de Mascarenhas, os poetas já citados e D. Maria I (que veio para o Brasil em 1808). A primeira parte, denominada pela autora como “Fala inicial”, apresenta os cenários da Inconfidência, a cobrança de impostos altíssimos e o temor da prisão iminente.
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Virgílio…”
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam…”
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
Cecília Meireles integra a Segunda Geração Modernista de que também fazem parte Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e Vinícius de Moraes. Embora, a maioria dos poetas do período abordasse as questões sociais da época , não é de se estranhar o fato de Cecília – como também pode ser visto em Vinícius – exalte a pátria em um de seus textos; uma característica modernista herdada do Romantismo. Da mesma maneira, vemos o tradicional e o inovador quando analisamos a forma do texto: Cecília constrói seu poema a partir de um gênero de origem medieval, mas o faz com versos de diversas métricas: podemos encontrar os tradicionais versos de sete e dez sílabas, bem como os modernos versos de quatro. Observemos o início do Romanceiro:
Não| pos| so| mo|ver| meus| pas|sos (verso de 7 sílabas)¹
Como dissemos no início deste texto, o termo inconfidência é questionado pelos historiadores que, em seu lugar, usam Conjuração Mineira, uma vez que esta expressão é mais condizente com o movimento organizado de 1789. Do ponto de vista literário, Cecília faz o inverso do que era a tradição ao se falar sobre os envolvidos com aquele movimento: Tiradentes e seus companheiros são apresentados na condição de heróis, revoltados com a situação político-econômica da Colônia e, por esta razão, perseguidos como inimigos da Coroa.
Sugestões de leitura:
Baixe nosso material de estudo: Tiradentes, os inconfidentes e a literatura (PDF). Abrirá uma pasta no OneDrive.
Leia também o texto 15 curiosidades sobre Tiradentes, publicado pelo professor Michel Goulart, no blog História Digital.
Referências:
CUNHA, C; CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.
MEIRELES, C. Romanceiro da Inconfidência. Disponível em <http://professor.ucg.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/5628/material/Cec%C3%83%C2%ADlia%20Meireles%20-%20Romanceiro%20da%20Inconfid%C3%83%C2%AAncia%20%5BRev%5D%5B1%5D.pdf> Acesso em 20 abr. 2014
¹Conforme nos lembram CUNHA e CINTRA (2008), consideramos, na contagem de sílabas métricas, sílabas, acentos e pausas e contamos “as sílabas até a última acentuada”, modelo que foi introduzido em Portugal no século XVIII. Note que o acento a que o gramático se refere é a sílaba tônica e não o acento gráfico.
Demais!
Olá, professora
Foi uma bela lembrança da sua parte nos avivando os acontecimentos comemorados nesta data e uma maravilhosa contribuição enriquecendo nossos conhecimentos, unindo de forma espetacular a história e a literatura.
Adorei poder degustar este texto, complementando o meu prazer com os excelentes materiais que você indica.
Muito obrigado pelo seu maravilhoso esforço enriquecendo nossa cultura.
Receba o meu reconhecimento e um fraternal abraço.
Obrigada, Bedias, por sua visita e pelo comentário elogioso. Volte sempre!