Já explicamos em outro texto que “a narração é uma sequência de ações interligadas que progridem para um fim; um relato de acontecimentos, fictícios ou não, contados por um narrador, por meio da ação de seus personagens. A crônica, o conto, o romance, a fábula, as epopeias são gêneros textuais em que esta modalidade discursiva é usada. Quais são as características da narração? Que elementos a compõem? Leia nosso texto com atenção e saiba mais.
O texto narrativo é composto pelo enredo (o assunto do texto), o narrador, as personagens, o espaço e o tempo. Como exemplo para a nossa análise, utilizaremos um trecho do conto João e Maria, atribuído aos Irmãos Grimm:
Perto de uma grande floresta, vivia um lenhador com a sua mulher e os seus dois filhos; o menino chamava-se Joãozinho e menina, Mariazinha. O homem tinha pouca coisa para mastigar, e certa vez, quando houve grande fome no país, ele não conseguia nem mesmo ganhar o pão de cada dia. E quando ele estava, certa noite, pensando e se revirando na cama de tanta preocupação, suspirou e disse à mulher:
─ O que será de nós? Como poderemos alimentar nossos pobres filhos, se não temos mais nada nem para nós mesmos?
─ Sabes de uma coisa, ─ respondeu a mulher,─ amanhã bem cedo levaremos as crianças para a floresta, onde o mato é mais espesso. Lá acenderemos uma fogueira e daremos a cada criança um pedaço de pão; então iremos trabalhar e as deixaremos sozinhas. Elas não acharão mais o caminho de volta para casa e estaremos livres delas.
─ Não, mulher, ─ disse o marido ─ eu não farei isso; como poderei forçar meu coração a deixar meus filhos abandonados na floresta? As feras selvagens viriam logo para estraçalhá-los.
─ És um tolo, ─ disse ela ─ então teremos de morrer de fome, os quatro; já podes procurar as tábuas para os nossos caixões. ─ E não lhe deu sossego até que ele concordou. (GRIMM, 2007, p. 79)
No trecho de Grimm, podemos observar os elementos da narrativa a partir de algumas expressões:
- Enredo – Um pai e sua esposa debatem sobre o destino dos filhos em época de grande crise econômica no país onde vivem.
- Narrador – O foco narrativo é representado por narrador onisciente neutro (LEITE, 2004, p.32). É aquele que “fala” em 3ª pessoa, conhece todos os personagens e sabe tudo o que lhes acontece. Esse tipo de narrador não tece comentários sobre o que os personagens sentem ou pensam; ao contrário, o narrado onisciente intruso faria comentários sobre as ações ou se dirigiria aos leitores (como acontece em alguns textos de Ítalo Calvino, Machado de Assis e Clarice Lispector).
- Personagens – Yves Reuter (2002) explica que “as personagens têm um papel essencial na organização das histórias. […] São as personagens que permitem as ações e lhes dão sentido.” No trecho de Grimm, aparecem o pai e a esposa, que anunciam também a participação de outros personagens: os dois filhos menores. Sabemos também, já que o conto é bastante conhecido, que no decorrer da narrativa aparecerá ainda uma bruxa que prenderá as duas crianças. As falas e pensamentos dos personagens podem ser indicadas por meio de discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre, como já explicamos no texto Os tipos de discurso.
- Espaço – O espaço narrativo pode ser analisado por meio de alguns eixos fundamentais, como explica Reuter (idem): exóticos ou não, mais ou menos ricos, urbanos ou rurais; um único lugar ou uma multiplicidade de lugares; explícito ou não; facilmente identificável ou não. A delimitação do espaço narrativo pode servir para descrever os personagens. No conto João e Maria, o espaço é apresentado no trecho “Perto de uma grande floresta…”, o que nos permite inferir que as ações acontecem em um meio rural.
- Tempo – As indicações de tempo contribuem para fixar o caráter realista ou não da história. O texto, no entanto, pode carecer de informações precisas; daí, a utilização de expressões como “Era uma vez…”, “Naquele tempo…”, “Naqueles dias…”, que remetem a um tempo simbólico. No conto que nos serve como exemplo, o tempo é marcado pela oração “quando houve grande fome no país”. Observe que a oração é introduzida por uma conjunção subordinativa temporal. Sabemos, ainda, que a história narrada aconteceu no passado, o que é indicado pelos tempos verbais utilizados pelo narrador.
Referências:
GRIMM, J. Os contos de Grimm. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2007.
LEITE, L.C.M. O foco narrativo: ou a polêmica em torno da ilusão. 10.ed. São Paulo: Ática, 2004.
REUTER, Y. A análise da narrativa: o texto, a ficção e a narração. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.