No dia 3 de setembro, publiquei o poema Siderações, de Cruz e Souza, seguido de uma questão de prova resolvida por uma de minhas turmas do Ensino Médio. Hoje, publico dois textos do poeta pré-modernista Augusto dos Anjos: Vandalismo e Psicologia de um vencido.
Sobre o poema a seguir, a turma deveria analisar os seguintes aspectos: o vandalismo ao qual o poema alude; esquema métrico e rímico; por que, apesar de pré-modernista, é possível afirmar que há influência simbolista; recursos estilísticos, vocabulário e temática.
Vandalismo
Augusto dos Anjos
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longíquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lutrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos e risonhos…
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
Vocabulário:
Prisca: antiga, velha, que pertence ao passado.
Nume: divindade, poder celeste.
Ogiva: arco diagonal de uma abóbada gótica.
Fúlgida: fulgurante, luzente, brilhante.
Colunata: série de colunas dispostas com simetria para adornar um edifício.
Verter: derramar, jorrar.
Lustral: que serve para dar brilho.
Florão: ornato, enfeite.
Templário: membro da ordem militar e religiosa denominada Pobres Cavaleiros de Cristo, fundada em 1119, em Jerusalém, com o fim de proteger os peregrinos e expulsa pelo Papa em 1312.
Gládio: espada.
Brandir: agitar com a mão (uma espada, uma lança, antes de desferir o golpe.
Hasta: lança.
Iconoclasta: destruidor de imagens ou ídolos.
O poema Vandalismo, de Augusto dos Anjos, é estruturado em forma de soneto, com esquema rímico ABAB, para os quartetos e CCD para os tercetos.
Embora Augusto dos Anjos esteja inserido no Pré-Modernismo, há uma clara influência de períodos anteriores em seu texto. Do Parnasianismo, o poeta mantém a forma típica daquele período e o esmero ao usar métrica e a rima; do Naturalismo, aproveita o vocabulário considerado vulgar em sua época; do Simbolismo, utiliza vocabulário religioso (catedrais, templos, aleluia, templários). Essa influência advinda da maioria dos movimentos literários do século XIX aproxima dos demais autores pré-modernistas ao mesmo tempo em que o distancia – faltou ao poeta a temática nacionalista que foi características dos outros autores.
Como recurso estilístico, pode-se observar o uso de aliterações e assonâncias. No primeiro caso, há reiteração dos fonemas /m/, /n/, /t/ e /d/, além da aliteração constante em /s/, observada no uso do pronome demonstrativo e nos plurais; a assonância é marcada pela constância da vogal /e/ por todo o poema.
O vandalismo, representado pelo “desespero dos iconoclastas”, mostra o momento em que o eu lírico teria desistido de seus sonhos (“Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos”), o que representa a angústia existencial herdada do Simbolismo.
Poema Psicologia de um vencido na voz do ator Othon Bastos.
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Psicologia de um vencido
Augusto dos Anjos
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e á vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Vocabulário:
Análogo: semelhante
Epigênese: teoria do desenvolvimento dos seres por transformações graduais.
Frialdade: frieza
Hipocondríaco: indivíduo que se preocupa excessivamente com seu estado de saúde.
Rutilância: cintilância
Para explicar o procedimento poético de Augusto dos Anjos, o crítico Anatol Rosenfeld usou a expressão exogomia linguística, que consiste na introdução de um elemento estanho no fluxo histórico de uma língua. Na avaliação aplicada, os alunos deveriam identificar os elementos estranhos no poema Psicologia de um vencido e por que isso pode ser útil para caracterizar a obra como pré-modernista.
Nesse poema, o autor introduz elementos vocabulares relativamente estranhos à estética poética do século XIX – vocabulário emprestado do cientificismo naturalista. Seus temas favoritos são a dor existencial e a efemeridade da vida e a morte como única solução para os problemas.