O Brasil será, em 2014, o anfitrião da Copa do Mundo (2014 World Cup Fifa). Desde que a candidatura do Brasil foi anunciada, o assunto virou polêmica; ao contrário do que se supunha, trazer um evento desse porte para o Brasil transformou-se em uma grande confusão. O que parece não ser assim tão controverso é a ideia muito repetida de que o “Brasil é o país do futebol”. Ele é, sem dúvida, o esporte mais popular. Como o vocábulo futebol entrou na língua portuguesa e como o esporte influenciou a formação do nosso léxico é o que veremos neste texto.
O futebol foi trazido ao Brasil pelo paulista, descendente de ingleses, Charles William Miller. Como já explicamos no texto Ludopédio, houve, no final do século XIX, uma grande campanha contra o uso de empréstimos linguísticos. Em inglês, diz-se football, que nós tratamos de adaptar à estrutura da língua e transformamos em futebol. Segundo artigo publicado pela Revista Língua Portuguesa em 2006, dos 200 países associados à Fifa apenas quatro usam termos diferentes para designar este esporte: na Itália, diz-se calcio; nos Estados Unidos, Canadá e Austrália, usam o termo soccer, já que football corresponde a outro esporte. Em 1930, ano do primeiro campeonato, os uruguaios usaram o termo em inglês; em 1934, os italianos chamaram-no de calcio; em 1938, os franceses anunciaram apenas a coupe du monde. De acordo com a mesma publicação, o Brasil foi o primeiro país a nacionalizar o termo inglês e, na Copa de 1950, anunciou o IV Campeonato Mundial de Futebol – Taça Jules Rimet. A Argentina foi o segundo, mas isso só aconteceu na copa de 1978.
No Brasil, essa adaptação linguística aconteceu não só com o nome do esporte, mas também com alguns termos que designam suas regras e a imprensa desportiva contribuiu muito para esse fenômeno . Em 1906, escreveu o colunista esportivo Zé Cosme no jornal Correio da Manhã:
Dizem que o match tecnicamente não foi bom, mas eu achei-o excelente, pois gosto de vê-los, os alegres rapazes, a saltarem de um para outro lado do campo, em perseguição da bola doidivanas, para depois de tanto trabalho, lhe prepararem a entrada triufal no goal inimigo.
Zé Cosme, ao usar o termo inglês match, referia-se à partida de futebol; sua intenção era dizer que outros haviam dito que a partida não fora boa. Thiago de Cristo, no artigo De goal a gol, diz que a adaptação dos termos ingleses ligados a este esporte ocorreu de modo diverso no Brasil, em Portugal e nas outras colônias portuguesas. Segundo o autor, os brasileiros usavam a palavra gol desde 1904; em Portugal, usa-se golo para o singular e goles ou gois para o plural (nós, brasileiros inventamos gols para a forma plural). Até mesmo o grupo de jogadores já foi identificado por um termo estrangeiro: eleven. No início do século XX, chegou-se a chamar o grupo de “os onze”. Mais tarde, onze foi substituído por equipe (palavra importada do francês) e time (vindo diretamente do inglês teams). Do espanhol, importamos zaga e inventamos zagueiro. Apesar do descontentamento da burguesia – soberbamente adepta de termos estrangeiros que demonstravam erudição – as palavras estrangeiras relacionadas ao futebol foram sendo gradativamente substituídas por termos portugueses ou por neologismos, criados a partir da adaptação fonológica dos termos estrangeiros.
Os nomes dos times também refletem a influência estrangeira sobre a língua portuguesa e maneira como nós nos apropriamos do esporte e adequamos os termos à nossa língua. Corinthians é uma homenagem a um clube inglês homônimo que visitou o Brasil em 1910; os ingleses, por sua vez, homenageavam o povo da cidade grega Corinto. Um dos principais times do Paraná é o tradicional Coritiba – assim mesmo escrito com o, pois na época de sua fundação (1909), aceitavam-se as duas grafias: Coritiba e Curitiba. O Mixto Esporte Clube de Cuiabá é assim grafado com x, pois assim era a grafia em 1934, ano de sua fundação. Flamengo tem o nome do bairro carioca onde foi criado e sua origem está nos esportes aquáticos; daí, ser chamado de Clube de Regatas Flamengo. O substantivo flamengo designava os holandeses que, expulsos da costa da Paraíba e de Pernambuco pelas tropas portugueses, foram refugiar-se no litoral carioca. Dois times brasileiros, fundados por brasileiros descendentes de italianos foram chamados de Palestra Itália: um em São Paulo e outro em Minas. Durante a Segunda Guerra Mundial, os times que faziam referência a outros países foram obrigados a adotar outros nomes; o paulista virou Palmeiras e o mineiro, Cruzeiro. Assim como Palestra Italia, há também muitos times com o nome América. Isso só é possível, pois o jogador João Evangelista Belfort Duarte levou o primeiro time a ter esse nome (o América carioca foi fundado em 1904) para visitar outros estados; desta visita, nasceram os Américas de São Paulo e Paraná (já extintos), São José do Rio Preto, Belo Horizonte, Natal e Recife. Vasco da Gama todo mundo sabe de onde vem e o hino do clube não deixa ninguém esquecer: “Tens o nome do heroico português, Vasco da Gama, tua fama assim se fez”.
Não se pode negar que o futebol deixou suas marcas na cultura nacional e, consequentemente, na linguagem. Alguns de nossos poetas e músicos também usaram-no como tema de seus textos e encerramos o texto com o vídeo da música É uma partida de futebol, do grupo mineiro Skank.
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Referências:
CHRISTO, T. De goal a gol. Revista Língua Portuguesa Especial: Futebol e linguagem. São Paulo: Segmento, 2006, p. 18-21.
UNZELTE, C. Em cada time uma história. Revista Língua Portuguesa Especial: Futebol e linguagem. São Paulo: Segmento, 2006, p. 22-25.
Que delícia de texto!
Fernando, obrigada pela visita! Há muito tempo você não deixava comentários aqui.