Um dos primeiros textos escritos em terras brasileiras foi a Carta, de Pero Vaz de Caminha. O escrivão registrou os problemas enfrentados durante a viagem – entre eles o desaparecimento de uma das naus -, o contato com os indígenas, as riquezas naturais, as duas primeiras missas aqui celebradas. O objetivo deste texto é mostrar ao leitor como era a língua portuguesa na época do descobrimento.
A Carta é considerada como um “documento literário expressivo da passagem da fase arcaica da língua para a moderna, em especial no período clássico” (ELIA, 2003, p. 44). A fase arcaica estende-se do século XII ao XVI e a moderna, do século XVI até os dias atuais. Pero Vaz de Caminha está na transição entre os dois momentos e seu texto não oferece grandes dificuldades ao leitor moderno, embora ainda haja traços de arcaísmos em sua escrita. Tais resquícios podem ser percebidos em formas como moor (mor), asy (assim), nom (não), leitarey (deixarei), milhor (melhor), pera (para), inorançia (ignorância), poer (por), amtre (entre), contrairo (contrário), seer (ser), deziam (diziam), camtidade (quantidade), todolos (todos os), giolhos (joelhos), meudo (miúdo).
O historiador português Jaime Cortesão escreveu a respeito da Carta:
A Carta de Caminha constitui, pois quase sempre um bom exemplo de ortografia fonética, e como tal, sabe-se, perdurou até o século XVI; e nesse caso melhor diríamos eufônica, mais preocupada com a reprodução fluente e harmoniosa dos sons do que obediente à individuação gramatical. Aqui a língua se encontra em plena e livre evolução, fiel apenas ao seu gênio íntimo, e isenta dos pruridos e acréscimos eruditos que em breve chegarão com o Renascimento.
Vejamos como era o texto original de Pero Vaz de Caminha e sua transcrição em português moderno:
Posto queo capitam moor desta vossa frota e asy os outros capitaães screpuam avossa alteza anoua do achamento desta vossa terra noua que se ora neesta naue gaçam achou. nom leixarey tam bem de dar disso minha comta avossa alteza asy como eu milhor poder ajmda que perao bem contar e falar o saiba pior que todos fazer. / pero tome vossa alteza minha jnoramçia por boa vontade. a qual bem çerto creio q por afremosentar nem afear aja aquy de poer mas caaquilo que vy e me pareçeo./ da marinha jem e simgraduras do caminho nõ darey aquy cõta a vossa alteza por queo nom saberey fazer e os pilotos deuem teer ese cuidado e por tanto Sñor de que ey de falar começo e diguo.
Assim, encontramos o texto em português moderno:
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escreveram a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que – para o bem contar e falar -, o saiba fazer pior que todos.
Tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, e creia bem por perto que, para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
O historiador, no texto Estudo paleográfico e transcrição da Carta, usado como prefácio à edição publicada no Brasil pela Editora Martim Claret, observa que a Caminha utilizava a letra “cursiva precessal , degeneração da cursiva cortesã”, cuja figuração é volumosa, descuidada e rica de enlaces ou irregular na separação das palavras. A letra cortesã era considerada elegante no final do século XV, porém, durante o século XVI foi-se degenerando até uma escrita encadeada – isto é, de linha inteira, sem intervalo entre as palavras, o que dificulta bastante sua leitura.
A língua portuguesa trazida nas naus de Pedro Álvares Cabral sofreu influências externas a partir dos primeiros contatos com os nativos e, mais tarde, com a chegada dos negros escravizados. O professor Silvia Elia considera que nas cidades, sede do Governo, da administração, da Justiça, o padrão culto ia se constituindo ao passo que, no interior, a língua continuava “mais fiel ao passado. Daí uma área rural arcaizante em face de um meio urbano inovador”. Como já dissemos em outro texto, o tupi foi a língua geral utilizada no Brasil até 1757; os jesuítas passaram a utilizá-la após observarem que era a língua mais praticada na costa. A função de escrever a gramática do tupi – de acordo com o modelo das gramáticas latinas – ficou a cargo do Padre José de Anchieta, que iniciou o trabalho em 1525 e a imprimiu em Coimbra em 1595. A primeira gramática brasileira surgiu apenas em 1829, com autoria do Padre Antônio da Costa Duarte, sob o título Compêndio da Grammatica Portugueza.
Leia no blog:
Descobrimento do Brasil e literatura de viagem
Bibliografia
CAMINHA, P. V. Carta de Pero Vaz de Caminha a el-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil. Prefário de Jaime Cortesão Paulo: Martim Claret, 2007.
COUTINHO, I. L. Gramática histórica. 7.ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2006
ELIA, S. Fundamentos histórico-linguísticos do português do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.
gostei mais a letra do homem eu nao entendi nao