No dia 14 de março, comemorou-se o Dia Nacional da Poesia, data escolhida por ser o aniversário de Antônio Frederico de Castro Alves, escritor que ficou conhecido como o Poeta dos Escravos, devido ao teor abolicionista de seus textos. A data foi muito comemorada em vários sites, instituições culturais e escolas. Afinal, o que é poesia?
Sabe-se que Aristóteles foi o primeiro filósofo a dedicar uma obra ao estudo do texto poético. Em Arte poética, o autor tratava das espécies de texto literário e das características que os diferenciavam. O trabalho aristotélico abordava a tragédia, a comédia – o nosso gênero dramático – e o ditirambo, uma espécie de texto que genericamente chamamos de poesia. Naquela época, os textos eram normalmente escritos em versos e o filósofo explicava que a diferença entre o texto literário e o não literário residia na maneira como os fatos são contados. Etimologicamente, poesia tem origem no vocábulo grego poietikê, originado de poien (“fazer”), palavra que também derivou poesis (poesia) e poiema (“poema, aquilo que é feito”). Deste modo, poder-se-ia entender por poeta o escritor de qualquer texto, não apenas o de textos literários. Aristóteles, no entanto, analisaria o texto artístico de acordo com suas características estéticas.
Aristóteles dá-nos a pista para entender, então, a diferença entre o que seria o texto literário e os outros: o ofício do poeta não é narrar o que realmente acontece; mas, sim, o de representar aquilo que poderia ter acontecido de modo verossímil. A primeira tarefa caberia ao historiador.
O conceito aristotélico foi revisto por diversos teóricos e utilizado em várias correntes literárias. O que todos – especialistas no assunto ou não – percebem é que o texto poético é expressão intensa de sentimentos da voz que fala por meio do texto. Assim, o trovador medieval cantou seus amores pela dama impossível; o homem barroco expressou seu conflito entre a verdade religiosa, a ciência e a política; o revolucionário do século XVIII fingiu a fuga para bosques gregos, enquanto, na prática, brigava por menos impostos; o romântico releu o trovador, declarou amor eterno à amada, sentiu saudade da pátria e expressou seu desejo de abolição; o modernista simulou ser diferente de todos.
Carlos Drummond de Andrade, poeta modernista da Segunda Geração, fez poesia para dizer como, em sua opinião, a arte poética deveria ser feita:
Procura da Poesia
Não faça versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
nem aquece , nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto á linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tire poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo instável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencórica infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Fontes de pesquisa:
ANDRADE, C.D. A rosa do povo. 28. ed. São Paulo: Record, 2004.
ARISTÓTELES, Arte poética. São Paulo: Martin Claret, 2009.