Quando o português chegou
debaixo de uma baita chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
(Oswald de Andrade. Erro de português)
Eu publiquei, em 31 de maio de 2011, o texto Um país de (pseudo)linguísticas motivada, ainda, pela onda de mensagens em minha caixa postal: os amigos estavam ávidos pela minha opinião sobre o uso da palavra “presidenta“. Eu achava uma discussão boba, mas escrevi três textos em que deixei muito claro qual era a minha opinião: “Por que eu devo perder tempo com algo que está há tanto tempo no dicionário?”. Agora, a modinha é a divulgação de imagens que imploram pelo “bom uso” da língua portuguesa e pelo fim dos tais “erros de português”. Uma das imagens que circulam na rede social Facebook é a que incentiva “Uma campanha a favor do ‘R’ do infinitivo verbal!” . O curioso é que ainda não vi nenhum colega de Letras divulgando tais imagens; por que será?
Um dos comentários sobre a imagem dizia, ainda, que as formas “estudá, trabalhá, aprendê” são típicas do falar caipira. Que bobagem! Desde quando só o brasileiro caipira usa tais expressões? Aliás, será que que a pessoa realmente sabe o significado de “falar caipira”¹?
É bom lembrarmos que a figura não representa a língua escrita, mas sim a língua oral; logo, diz respeito a um aspecto fonético e não ortográfico. Nos estudos linguísticos, chama-se a isso apagamento.
“É característica de todas as variedades linguísticas brasileiras […] a eliminação do R final dos infinitivos e também de outras palavras muito frequentes como AMOR, PROFESSOR, CALOR” (BAGNO, 2007, p. 121).
Tais pronúncias podem ser justificadas pelo conceito de economia linguística, termo que abarca uma série de processos presentes na língua:
(a) poupar a memória, o processamento mental e a realização física da língua, eliminando os aspectos redundantes e as articulações mais exigentes; (b) preencher lacunas na gramática da língua, de modo a torná-la mais eficiente como instrumento de interação sociocomunicativa. (BAGNO, 2011, p. 147 – grifo meu)
Não precisa ser especialista em fonética para entender que “estudá, trabalhá, aprendê” representam uma pronúncia mais fácil do que aquilo que sugere a forma escrita. Tais formas não são uma questão gramatical, mas de uso. Processo semelhante é o que acontece com a pronúncia de outros vocábulos: ele, fome, gato, gente – pronunciados [eli], [fomi], [gatu], [genti], independentemente da classe social e do nível de escolarização do falante. Dá palpite equivocado quem acha que tudo se resolve com gramática normativa.
Retomo a pergunta feita no primeiro parágrafo: “O curioso é que ainda não vi nenhum colega de Letras divulgando tais imagens; por que será?”. A resposta é simples: nós, profissionais de Letras, aprendemos tudo isso no primeiro período da faculdade.
Nota:
¹ Bortoni-Ricardo (2011), citando Antônio Cândido, afirma que “caipira denota a população rural do interior de São Paulo. […] Refere-se ao universo da cultura rústica de São Paulo e identifica um modo de vida e não um tipo social. Presentemente, o termo, que tem etimologia tupi – curupira -, não está restrito à área de influência histórica dos paulistas, mas se refere à população rural e tradicional do Brasil”. Em Estudos de Linguagem, existem diversas pesquisas sobre o dialeto caipira e sugiro a leitura de “Do campo para a cidade: estudo sociolinguístico de migração e redes sociais”, de Stella Maris Bortoni-Ricardo, publicado pela Parábola Editorial.
Referências:
BAGNO, M. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2011.
______. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. 3.ed. São Paulo: Parábola, 2007.
BORTONI-RICARDO. Do campo para a cidade: estudo sociolinguístico de migração e redes sociais. São Paulo: Parábola, 2011 (Série Educação Linguística, 6)
*Texto atualizado em 18/05/2015.
Olá!
Dividi no Facebook a imagem, bastante interessante.
De fato, boa parte dos alunos levam a “economia da língua” para seus textos, o que ainda não é aceito.
Quanto à palavra “presidenta”, tem registro nos melhores dicionários, é abonada por ninguém menos do que Sírio Possenti e, além disso, é a forma escolhida pela Dilma.
Só não entendo por que tanta resistência da Globo e do PIG!
Abraço!
Alexandre, como avaliadora em alguns processos seletivos, raras vezes, vi sinais dessa economia linguística de que trata o texto – algo que se manifesta na fala, não na escrita. O que alguns desesperados pelo “bom uso” da língua chamaram de internetês também já é uma discussão boba. Creio que os meninos já sabem mais sobre adequação linguística do que supõe a maioria.
Obrigada por visitar o blog e comentar.