A literatura barroca foi produzida no Brasil durante os séculos XVII e XVIII. A literatura deveria ter um caráter de purgação, de estímulo à virtude e à luta contra as más ações; deveria, portanto, ser a união entre a busca pela perfeição moral e o encantamento artístico. Como vimos em Gregório de Matos e o Barroco, texto publicado em 26 de dezembro, o poeta baiano foi um representante dessa estética que aliava fé e razão na poesia; a prosa barroca foi representada pela literatura religiosa produzida por Padre Eusébio de Matos (irmão de Gregório de Matos), Padre Antônio de Sá e Padre Antônio Vieira.
Antônio Vieira era português, nascido em Lisboa em 1608, e trazido ao Brasil ainda menino. Aqui estudou no Colégio dos Jesuítas e se ordenou sacerdote em 1634. Como era excelente orador e latinista, foi designado para ensinar Retórico aos noviços do seminário de Olinda. Um de seus mais famosos textos é o Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal, em que clamava a Deus pela vitória contra os hereges. Os sermões de Vieira refletiam seu desejo de ver Portugal estabelecido como império católico, “respeitado por todos e servido pelo rei, a nobreza e o clero” (BOSI, p.44).
Exurge quare obdormis, Domine? Exurge, et ne repellas in finem. Quare faciem tuam avertis, oblivisceris inopiae nostrae et tribulationis nostrae? Exurge, Domine, adjuva nos et redime nos propter nomen tuum. (Salmo XLIII)
I
Com estas palavras piedosamente resolutas, mais protestando, que orando, dá fim o Profeta Rei ao Salmo quarenta e três. Salmo, que desde o princípio até o fim, não parece senão cortado para os tempos e ocasião presente. O Doutor Máximo S. Jerônimo, e depois dele os outros expositores, dizem que se entende à letra de qualquer reino ou província católica, destruída e assolada por inimigos da Fé. Mas entre todos os reinos do Mundo a nenhum lhe quadra melhor que ao nosso Reino de Portugal; e entre todas as províncias de Portugal a nenhuma vem mais ao justo que à miserável província do Brasil.
Não demorou muito para que os textos de Vieira desagradassem o Reino. O padre adaptara, em seus sermões, as trovas de Bandarra (apelido dado ao sapateiro Gonçalo Anes) que falavam do Encoberto que voltaria para restabelecer o reino de paz e justiça em Portugal. Bandarra usara como tema o mito atribuído à figura de D. Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir. Suas trovas misturavam citações bíblicas, poesia popular, mitos espanhóis, lendas do ciclo arturiano, críticas sociais. A morte misteriosa de D. Sebastião deu novo sentido às trovas do sapateiro. Os cristãos novos (judeus convertidos por medo da perseguição) passaram a ler as trovas de Bandarra (produzidas originalmente como um apelo a D.João III para que defendesse Trancoso da ira do Infante D.Fernando) como o anúncio de um novo Messias. Antônio Vieira não concordava com a maneira como os convertidos eram tratados pela Igreja e mostrou-se como advogado dos cristãos novos contrariando, desse modo, seus superiores. Como punição, Vieira foi posto a ferros por dois anos e ficou proibido de pregar em Portugal. Banido de sua terra natal, o padre retornou ao Brasil e se estabeleceu no Maranhão.
De volta ao Brasil, o padre escreveu, em 1653, o famoso Sermão da Primeira Dominga da Quaresma em que tentava convencer os colonos a libertarem os indígenas comparando-os aos hebreus aprisionados pelo Faraó.
Esteticamente, a prosa de Vieira era representante do que ficou conhecido como cultismo e conceptismo. O cultismo (forma, expressividade do texto) era também chamado de gongorismo em associação ao poeta espanhol Luiz de Gôngora; caracterizava-se pelo linguagem culta, o uso de metáforas, hipérboles, metonímia, antíteses e hipérbatos (inversões inesperadas na frase e pelo jogo de palavras). O principal representante do conceptismo (ideia, conceito) foi o também espanhol Francisco de Quevedo.
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Leia fora do blog:
Antônio Vieira (Domínio Público – Obras completas)
Referências:
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 33.ed. São Paulo: Cultrix, 2000
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 16.ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995
SARAIVA, José Hermano. História Concisa de Portugal. 17.ed. Lisboa: Europa-América, 1997.
VIEIRA, Antônio. Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. Disponível em http://bocc.ubi.pt/pag/vieira-antonio-contra-armas-holanda.pdf. Acesso em 27 dez 2011.