Literatura

Consciência negra e literatura brasileira

Amanhã, 20 de novembro, é a data em que se celebra o Dia Nacional da Consciência Negra, instaurada pela Lei 10.639, de  9 de  janeiro de 2003,  a mesma que determina o  ensino de cultura africana e cultura afro-brasileira nas escolas, “em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”. No estado do  Rio de Janeiro, a data é feriado.  Este tem origem no aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, o mais famoso líder quilombola da história brasileira, que foi torturado e decapitado em 1695. Na capital fluminense, a data já havia sido instituída como feriado pelo prefeito César Maia em sua gestão anterior. O mais importante sobre a data não é o fato de ser feriado ou não, mas todos os questionamentos socioculturais que se apresentam quando o assunto é o negro brasileiro.

O Brasil é o país com  a maior população negra fora da África.  A zona portuária do  Rio de Janeiro – bairros da Saúde, Gamboa e Praça Mauá – era conhecida  no  século  XIX como pequena África devido à grande concentração de  negros naquela região. Nessa região, eram  vendidos os escravos e ali nasceu o samba – resultado da adaptação de sons africanos e posteriormente reconhecido  como um bem imaterial do  Brasil. O que, por  vezes,  nos falta é a lembrança de que a cultura  negra também  foi  tema da literatura brasileira. Nossa literatura é, desde o século  XIX, um instrumento de resistência e divulgação desta cultura.

Antônio  Castro  Alves, poeta baiano e mulato, usou  sua arte para, no final do século XIX, difundir a causa abolicionista e denunciar os maus tratos a que os negros eram  submetidos nos navios negreiros. O seu texto  mais conhecido  é Navio negreiro, em que o  poeta  relata o  horror nos porões do navio, como  no  trecho a seguir:

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

João da  Cruz  e  Souza nasceu   em   1861 na cidade de   Desterro  (atual   Florianópolis) e faleceu   aos 38 anos,  em Minas Gerais, vitimado por tuberculose.   Filho de negros  libertos, foi  criado, após  a  morte destes, pelo  Marechal Guilherme  Xavier  de   Sousa.  Após  a  morte  de seu tutor,  abandonou os  estudos e  pôs-se  a  escrever  crônicas  abolicionistas.  Sua luta  contra  a  escravidão  intensificou-se  após  ter  sido  impedido de   assumir  um  cargo  na cidade  de  Laguna. É um dos nossos mais importantes poetas do  século XIX.

Joaquim Maria Machado  de Assis também era  mulato, embora uma recente campanha publicitária o  tenha retratado  como   branco.  Machado  nasceu aos pés do Morro do Livramento, na zona  portuária do  Rio de Janeiro. Sua literatura  não  refletia os problemas e os anseios da comunidade negra carioca, pois  o escritor tivera  uma formação  diferente da maioria da população: mesmo  sendo  filho de uma quituteira – que a tradição passou a  apresentar como  lavadeira, pois quituteira era uma atividade de prestígio  na época –  Machado  era assistido  pela madrinha que podia lhe financiar os estudos. Deste modo, ao  contrário de Castro  Alves e outros intelectuais, como  José do  Patrocínio, sua literatura  retratava a sociedade burguesa da  época.

Eu já escrevi aqui sobre a influência daquele país na língua portuguesa falada no  Brasil  e sobre os países africanos de língua portuguesa. O  Dia Nacional da Consciência Negra  não  é a única data em que devemos  refletir sobre os grandes nomes de nossa história, mas ela propõe reavivar a memória de que alguns deles foram  negros e do quanto a África está presente em  nossa cultura.

Leia mais no blog:

África na escola

África na escola – Pretos  Novos 

 

Leia fora do  blog:

Lei 10.639, de  9 de  janeiro de 2003

Lei 11.645, de 10 de março de 2008

2 Comments

  1. Obrigado por mais um texto, Andréa!

    Só quero lembrar que amanhã temos um show de Seu Jorge na Quinta da Boa Vista, em comemoração do Dia da Consciência Negra, grátis às 19:00.
    Enfim, será uma linda festa aos negros, brancos e quaisquer-cores do Brasil.
    Até lá.

    1. Eu vi a entrevista dele no RJTV anunciando o show, mas não poderei ir. Eu terei, no mesmo horário, a apresentação do meu primo no Sesc de São Gonçalo. Obrigada por sua visita. Gosto muito quando deixa seus comentários aqui.

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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