Aluno brasileiro não sabe fazer as operações matemáticas básicas, não entende o que lê e a escola pública é a pior no rank do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Essas foram as conclusões de pesquisas e testes divulgados nas últimas semanas sobre a educação brasileira. O resultado do ENEM 2010 divulgado ontem, 12 de setembro de 2011, confirmou a discrepância que há entre escolas públicas e privadas: das cem primeiras colocadas apenas treze são públicas. A escola que aparece no topo da lista é o tradicional Colégio São Bento cuja mensalidade custa quase dois mil reais. Entre as públicas as mais bem classificadas estão o Colégio de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (UERJ) e o Colégio Pedro II.
A diferença entre escolas públicas e privadas é histórica e remonta ao processo de colonização do Brasil e ao modo de educação implantado pela metrópole. Maria Lúcia de Arruda Aranha, em seu livro História da Educação e da Pedagogia, lembra-nos de que a educação jesuítica do século XVII era “literária, abstrata, dogmática, afastada de interesses utilitários. Aos segmentos subalternos restava a preparação para o trabalho braçal por meio de educação informal: aprendia-se a trabalhar no ambiente de trabalho e julgava-se que trabalhadores braçais não precisavam de educação escolar. No século seguinte, persistiu o panorama de analfabetismo e ensino mais eficaz ministrado por padres jesuítas responsáveis pela formação das classes dirigentes e pela catequese dos índios. Começava ali o imenso abismo entre os “letrados e a maioria da população analfabeta”, como afirma a professora Maria Lúcia Aranha. O século XIX, com a vinda da família real portuguesa, viu a criação de escolas normais (formação de professores), escolas politécnicas e militares. Durante o século XX (apesar do avanço na educação, a Escola Nova defendida por Anísio Teixeira, os estudos de Paulo Freire, Piaget, Vygotsky e outros), não vimos diminuir a diferença entre a educação oferecida nas instituições públicas e privadas.
Não estou afirmando que os péssimos resultados de testes aplicados aos nossos alunos sejam decorrentes da história da educação brasileira, mas acredito ser necessário rever a concepção de educação pública. É preciso também repensar os critérios de medição de qualidade. No Brasil, temos o péssimo costume de medir a qualidade das coisas por meio de números – isso é altamente paradoxal! Como medir com números aquilo que é subjetivo? O que, afinal, é qualidade em educação? É possível mesmo medi-la pela quantidade de escolas construídas ou isso está relacionado à formação do professor e à estrutura das escolas? Acho esquisito comparar uma instituição localizada no Centro do Rio de Janeiro e cuja mensalidade chega a seis vezes o valor do salário mínimo a uma outra localizada em área de conflito e cujo corpo discente vive o caos urbano de violência – a escola fluminense com a pior colocação está localizada em uma área de risco da Baixada Fluminense.
Magda Soares, em Linguagem e escola – uma perspectiva social, afirma que “a escola pública não é […] uma doação do Estado ao povo; ao contrário, ela é uma progressiva e lenta conquista das camadas populares, em sua luta pela democratização do saber, através da democratização da escola” e que esta ” é antes contra o povo que para o povo” (p.9). A professora apresenta algumas teorias para o fracasso escolar e uma delas é a ideologia da deficiência cultural, em que a explicação do fracasso estaria relacionada à “deficiência intelectual” das classes desfavorecidas. Não se considera que as desiguldades sociais têm origens econômicas que, obviamente, interferem no sucesso escolar.
Nossa sociedade valoriza a cultura da classe dominante; é isso que nos faz comparar a escola privada à pública e concluir que aquela é melhor do que esta, sem analisar em que condições cada uma cumpre seu papel. Nesta comparação infeliz, conclui-se que a escola pública é ruim, o professor que nela atua é incompetente e o aluno, incapaz de aprender qualquer coisa.
Referência:
SOARES, M. Linguagem e escola – uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 2008.
Victor, Lincoln e Judith, muito obrigada pela visita e por deixarem aqui suas opiniões sobre o tema do meu texto.
Judith, concordo com você: quem vive com um salário de 900,00? Infelizmente MUITA gente tem ainda de viver (ou sobreviver) com bem menos do que isso. No caso da educação, isso significa que o professor deverá escolher se investe na sua formação continuada ou se alimenta os filhos e sustenta a casa. Quem pode culpá-lo por escolher sobreviver? Erramos nós – professores ou não – que não aprendemos a votar direito e elegemos sempre os mesmos políticos.
Infelizmente, nossa sociedade deixou há muito de se preocupar com o que é “público” para cuidar do privado. É mais fácil para a classe dominante colocar seus filhos nas escolas particulares ou mandá-los para estudar no exterior, do que exigir e demandar por políticas públicas decentes que contemplem a educação. É mais fácil deixar o dinheiro escapar na corrupção e nos altíssimos salários dos nossos políticos (aliás, que trabalham arduamente em benefício dos seus)do que investir no salário do professor. Um piso de R$900.00? Quem vive com isso? Sem contar a merenda de péssima qualidade, os prédios caindo aos pedaços. Esse é o resultado. Acho mesmo que é isso que querem os que poderiam melhorar a educação. Quem é o culpado? O professor que não ensina!!! Triste!!!
Mal das pernas é apelido está é paraplégica.
Texto triste e verdadeiro. E infelizmente necessário.