Eu sempre achei que quem deve dar palpite sobre Direito é o advogado; sobre Filosofia, o filósofo; sobre Economia, o economista. Caso contrário, corre-se o risco de termos Direito, Economia e Filosofia de porta de boteco, em que cada um, depois de bebedeiras homéricas, acaba por falar de coisas que só sabe de “ouvir dizer”. Há alguns meses, vivenciamos também a Linguística de botequim, já que todo mundo resolveu dar palpite sobre questões que competem apenas ao professor de línguas e aos estudiosos da Linguística.
Com a eleição da presidente – ou presidentA – Dilma, muito se discutiu sobre o uso da última forma, dicionarizada desde o século XIX! Recentemente, os profissionais de Letras precisaram parar o que estavam fazendo para explicar que todos nós estudamos Linguística na faculdade e que é uma tremenda burrice dizer que esta ciência – sim, é uma ciência! – incentiva o ensino de “erros de gramática” e que “erro de gramática” é uma expressão antiguinha, caduca e que já saiu de linha há uns 20 anos.
Em 2007, o professor Aldo Bizzochi publicou, pela Revista Língua Portuguesa, o artigo 180 milhões de linguistas. O estudioso comparava os palpites sobre o uso da língua a dados sobre o futebol e citava o comentarista esportivo Geraldo José de Almeida que, em 1969, teria dito ter o Brasil 90 milhões de técnicos de futebol. Diz o professor em seu artigo:
Pois cheguei à conclusão de que o Brasil também tem 180 milhões de linguistas. Isso mesmo! Somos 180 milhões de cidadãos que adoram palpitar sobre as línguas em geral e sobre língua portuguesa em particular. E fazemos isso com a sem-cerimônia e desenvoltura de grandes experts (ou espertos no assunto).[…]
Embora ninguém que não seja médico ou advogado se atreva a discutir medicina com um médico ou leis com um jurista, qualquer zé-dos-anzóis se sente à vontade para polemizar com um linguista sobre a origem das línguas, o melhor sistema ortográfico, a superioridade de um idioma sobre o outro… Alguns chegam a arvorar-se em legisladores da língua, sem ter mandato para tal (será que alguém tem esse mandato?). (Grifo meu)
É que existe uma crença mais ou menos generalizada de que medicina e direito são matérias de alta especialidade, ao passo que a língua é assunto de domínio público. Afinal, nem todos clinicam ou advogam, mas todos falam. E, portanto, qualquer um sabe ensinar o padre-nosso ao vigário.
E agora? Será que cada um já pode voltar a tratar daquilo que, de fato, lhe compete?
Leia mais no blog:
Os palpiteiros e a cruzada a favor da língua
Leia fora do blog:
180 milhões de linguistas, de Aldo Bizzocchi
Ciência Linguística: da origem sassureana ao percurso sociolinguístico, de Solany Soares Salgado.
Conversas com linguistas, resenha de Adail Sobral. (arquivo em .pdf)