Educação Língua Portuguesa Linguística

Quem sabe Português?

 Hoje, eu fui  enfática  ao  enviar a  um grupo a seguinte frase: “não gosto da expressão  ‘não  sabe português’ (tenho  verdadeiro  horror a ela, pois  é  a máxima do preconceito linguístico)”.  Eu fora  motivada por  um debate  sobre opinião de alguns  blogueiros  que  afirmam  que “quem  não  sabe português não deveria ter  um blog”.  Eu entendi que a discussão era  sobre o  cuidado  que devemos  ter ao  publicar  o nosso  texto, pois isto   também  demonstra  o carinho  com  que  o escrevemos.  O que  não  entendi  até agora é  o significado  de  “não saber português” e desconfio de  que  também  não  sei.

 

Uma das  primeiras coisas que faço, ao me apresentar em  uma  turma do  Ensino  Médio, é  perguntar quantos  alunos  gostam  da  disciplina Língua Portuguesa; a maioria  diz detestar. Quando eu  pergunto o motivo, ouço  sempre a mesma resposta: “Ah, professora, eu  não sei  português!”.  A  minha atitude  é  perguntar ao  aluno em  que  língua ele  foi alfabetizado,  fala com seus amigos e familiares,  escreve no caderno,  no Orkut, no Facebook,  no  Twitter, enfim, comunica-se  durante os  365 dias;  todos concordamos, então, que  falamos e escrevemos  em  PORTUGUÊS.  Os alunos retrucam e afirmam estar fartos das regras de concordância, regência, orações  coordenadas, orações  subordinadas e  outras chatices gramaticais (palavras deles!). Concluo, então, que  uma coisa é  saber português e  outra  é  dominar as regras impostas pela  gramática normativa.  E concordo, principalmente,  que  tudo  não passa  de um   “gramatiquês”  se o professor  não mostrar a  utilidade de tantas normas!

 

A ideia de que alguém não sabe português é  um dos preconceitos linguísticos analisados  em  várias  obras do professor  Marcos Bagno e vai de encontro a  uma das principais orientações dos  Parâmetros  Curriculares Nacionais:

 

A Língua Portuguesa, no  Brasil, possui  muitas  variedades  dialetais. […] Mas  há  muitos  preconceitos decorrentes do valor  social relativo que  é atribuído aos  diferentes modos de falar: é  muito comum considerar as variedades  linguísticas  de  menor prestígio como   inferiores ou erradas.  […] A escola  precisa  livrar-se de alguns  mitos: o de que existe uma  única  forma “certa” de  falar – a que se parece com a escrita – e o que de  escrita é o espelho da fala – e, sendo assim, seria preciso “consertar” a  fala do  aluno  para evitar  que ele  escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de  desvalorizar a forma de  falar do aluno […] denota desconhecimento de que a  escrita de  uma língua não corresponde inteiramente a  nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que ele  tenha em um dado  momento  histórico. (Grifo meu)

 

Se considerarmos o saber linguístico apenas aquele  apresentado pelas gramáticas e manuais escolares,  poderemos mesmo afirmar que sabemos português ou qualquer outra língua? Podemos  garantir que  falamos  e  escrevemos  rigorosamente como eles  determinam?

 

Pronominais

Oswald de Andrade
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

 

E como o  bom negro e o   bom  branco de Oswald,  dizemos  e escrevemos “me dá”, “me empresta”, “me liga”, “me manda um e-mail” – afrontas  às  regras de colocação pronominal e  emprego do imperativo –  um tipo de  construção incorporada há anos na  língua de  todos  os  brasileiros, como  tantas  outras.

Não estou  afirmando  que o  ensino  de gramática seja desnecessário, tampouco  que o cuidado  com  a  escrita possa ser  negligenciado. O debate que originou  este  texto trazia o seguinte questionamento: quem não domina  as regras da  gramática normativa pode  ter  um blog?  Bem, eu   não vou dizer quem pode  ou não   ter  blog, pois  alguém  também  pode se achar no  direito de dizer que eu  nem deveria   ter  aberto  os  meus, não é   verdade?  As perguntas  deveriam ser outras: “qual é a variedade linguística mais  adequada a um  blog?” , “o descuido  com questões como  ortografia e regras  de acentuação, por exemplo, podem  afetar negativamente a  credibilidade de um texto?” .  O que  você pensa a respeito?

 

 

Leia mais  no  blog:

Não  é errado falar assim

Variedades linguísticas

 

Recomendo:

O ensino  de Língua Portuguesa e os PCN, de  Leonor  Werneck dos  Santos

11 Comments

  1. "escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos"
    concordo plenamente,principalmente sendo minha mãe uma defensora da linguistica.
    as diferentes formas de diferentes povos do mesmo pais falar até chega me fascinar, a única forma de comunicação que não gosto é o chamado, internetes, este sim quebra todas as regras da lingua.

  2. Que pergunta impensada: Quem não domina as regras da gramática normativa pode ter um Blog??? Acho que o necessário de um blog seria a criatividade, a idéia, o estilo que o autor transmite aos seus leitores. De fato a língua só tem a ganhar e cada vez mais vem sendo promovida em contextos digitais como os blogs, facebook, etc.Somente,o autor de um blog deve se preocupar em redigir com clareza e correção.
    Bonito esse poema do Oswald de Andrade,que na verdade só vem a valorizar a língua desprovida das regras gramaticais, a língua nua e crua, do bom caboclo e do mulato, e não um idioma. Quando para a gramática normativa se diz: Dê-me um cigarro, qualquer pessoa com pouco grau de instrução diz :Me dá um cigarro. Isso é óbvio e não é regra.Então, a nossa língua é essa diversidade linguística que reina por Brasis a fora. Eu amo o Português do Brasil, sou amante das várias realizações dele, tanto falado como escrito. Então explico sempre para os meus alunos que é através do nosso idioma(da língua) que nos comunicamos com o mundo. Temos somente que adequá-la aos contextos sociais,mas lógico, que sempre presa às regras.

  3. Olá Andréa,
    Que bom que nossa discussão passou para o espaço certo!
    Como eu fui a primeira a colocar lenha nesta fogueira, eu gostaria só de colocar aqui, para quem não participou do nosso debate,que quando sugeri a leitura do post de Marcos Lemos para o pessoal do Blogs Educativos,foi com o objetivo de chamar a atenção para o cuidado que devemos ter ao publicar em nossos blogs.Na verdade um zelo especial com a ortografia, com a concordância verbal, por sermos educadores, professores.A Internet é sim um espaço livre, e já há até um vocabulário específico, o "internetês", como dizem, para encurtar as comunicações em chats e etc. Ok, poderíamos até afirmar que o importante é a comunicação, é se fazer entender, e não há nada contra isso.Mas a minha sugestão tomou outro rumo, partiu para estas questões do preconceito linguístico.NÃO ERA ESSA A DISCUSSÃO ORIGINAL. O meu objetivo de certa forma estava voltado para esta preocupação de escrever bem em nossos posts enquanto educadores que somos e temos como público principal nossos alunos.Posso dar exemplo em relação ao meu blog de FRANCÊS.Se eu pretendo ensinar francês, sou obrigada a "policiar" – para usar um termo forte- todos as minhas postagens para não cometer erros de ortografia, ou até mesmo de digitação.E por que não fazer isso em relação ao Português?? Então eu respondo à sua pergunta final: um texto de professor cheio de erros de ortografia ou concordância vai sim, com certeza afetar a sua credibilidade perante aos alunos, à comunidade escolar, aos internautas.Experimente não fazer correções em seus textos postados aqui, em um blog especificamente da língua portuguesa… Podemos então fazer uma distinção entre níveis de registro linguístico: uma coisa é a língua, outra coisa é a linguagem.Está aqui então uma nova sugestão para sua próxima postagem: O que é a língua ou idioma e o que é a linguagem?? Responda para nós amiga blogeducadora…
    bjin
    Niuza Eugênia
    Ah só um detalhe que queria colocar aqui.O meu trabalho com o blog de francês é também "garimpar" pela internet em busca de sites interessantes para meus alunos e muitas vezes, nestas buscas deparei-me com sites com erros de francês, de ortografia, de verbos como trocar o particípio passado pelo infinitivo do verbo e etc… Conclusão: eliminei o site da minha lista de possíveis links para meus alunos e aproveito para informar isso também: os franceses cometem erros absurdos de ortografia trocar um ÇA por um SA, por exemplo.Um é pronome indefinido o outro é pronome possessivo.Posso apresentar um texto com este tipo de erro para meu aluno??

  4. Oi, Andréa!
    Concordo contigo!
    Nas aulas de língua portuguesa sobra metalinguagem e falta linguagem!
    Às vezes, escrevo sobre isso no Ufa!
    Se quiseres dar uma espiada:http://verd.in/pb2
    Abraços!

  5. Esse é apenas um dos grandes equívocos da educação que se preocupa mais em fazer o aluno perceber o que ele não sabe do que o que ele já domina.

    Estamos, sem notar, fabricando estéreis e soberbos.

    Ambos, prisioneiros enquanto a palavra deve ser libertadora.

    Forte Abraço,
    RôGomes

  6. Olá, meninas

    Esse movimento foi interessantíssimo! Também fiquei bastante incomodada com algumas falas de colegas do grupo e já estava pronta para começar a responder, quando vocês apareceram divinamente, poupando-me o trabalho e fazendo com que eu me sentisse menos ET…

    Tenho um cansaço ancestral para discutir essas questões porque passei a vida fazendo isso. Ouvi-las é um alento sem fim. É música de anjos!

    Me despeço parabenizando a Andréa e citando um trecho da querida Profª Magda Soares, do seu livro Linguagem e Escola, de 1982: "(…) é preciso que os professores compreendam que ensinar por meio da língua e, principalmente, ensinar a língua são tarefas não só técnicas, mas também políticas. A opção que se está fazendo não é apenas uma opção técnica, em busca de uma competência que lute contra o fracasso na escola, que na verdade, é o fracasso da escola, mas é, sobretudo, uma opção política, que expressa um compromisso social, contra as discriminações e as desigualdades."

    Um grande e afetuoso abraço

    Denise Vilardo

  7. Nem preciso dizer mais nada. Você já disse tudo, tanto no texto, quanto no comentário. Abraços.

  8. Lúcia, eu não fiz uma defesa aos linguistas, pois isto nem cabia neste texto. Como você mesma disse, eu falei sobre o respeito às variedades linguísticas. Eu também não disse, em trecho algum, que o conhecimento da gramática normativa não é necessário; questionei, sim, o método de ensino medieval que ainda persiste em nossas escolas e não ajuda o aluno a entender o motivo de aprender tais regras. Ao contrário do que pode parecer, os linguistas não defendem uma língua de "vale tudo". Obrigada pela sua visita!

  9. Oi.Reconheço que você fez uma defesa muito forte aos linguístas,mas eu adoro a gramática e fico horas lendo um bom livro,de gramática,claro.Uma professora na faculdade trabalhou com o livro de Bagno,dois livros,não gostei,aliás,sou fã da gramática normantiva.Sobre o preconceito linguistico,a web está cheia de prenconceituosos metidos a professores que ficam corrigindo os outros,eu acho que corrigir alguém sem ter sido solicitado a ajuda é falta de educação e de delicadeza.Não existe falar errado,existe como você escreveu,variedade liguística,agora me lembro dos livros,foi variedade linguística e preconceito linguística de Marcos Bagno,foram esses os livros que a professora trabalhou com a turma,mas no terceiro período eu tive uma professora de linguística que quase me fez inclinar para essa dísciplina de tão boa mestra que era,a professoa Luisa Castelo Branco.Adorava assistir as aula dessa mestra.A parte que eu mais gosto da gramátia é exatamente essa que você citou no texto,concortancia,regência,etc.

    Abraços.Lúcia

  10. Arrasou,Andréa:
    estava escrevendo um post sobre isto e agora não precisa.Vou linkar o seu, lá no Leitura.
    Beijos

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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