Foto: Andréa Motta 2008
Monumento erguido em homenagem
ao alferes J.J. Silva Xavier, na cidade de Tiradentes – MG
O dia 21 de abril é dedicado a Joaquim José da Silva Xavier. A data marca o dia de sua execução em 1792, como punição por seu envolvimento com o grupo que se insurgira contra a Coroa Portuguesa, que acabara de criar um novo imposto para a colônia brasileira. Pelo novo decreto da Coroa, se o valor mínimo do imposto não fosse arrecadado, bens poderiam ser confiscados a fim de completar o valor – este imposto ficou conhecido como Derrama. Deste movimento conhecido como Inconfidência Mineira participaram intelectuais como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, os poetas mais expressivos do Arcadismo brasileiro.
Cláudio Manoel da Costa
No final do século XVII, a ex-rainha da Suécia, Cristina, filha de Gustavo Adolfo, fixou residência em Roma. A jovem era conhecida por toda a Europa por sua erudição, pela biblioteca vasta que criara e por juntar ao seu redor um verdadeiro séquito de intelectuais, criando com eles as academias. Após sua morte, em 1689, os amigos e antigos seguidores decidiram criar a Arcádia, a fim de que os ideais da rainha não fossem esquecidos. A academia contava, então, com 16 membros e era presidida por Crescimbeni.
Tomás Antônio Gonzaga
O nome do grupo remontava à região mitologia da Grécia dominada pelo deus Pan e povoada por pastores; assim, os membros da Arcádia passaram a adotar um nome pastoril grego ou latino e as reuniões aconteciam em parques ou jardins. Em 1725, o rei D. João V, de Portugal , presenteou a academia com o bosque Parrasio. Esteticamente a poesia nascida nesses encontros bucólicos tinha como cenário ambientes pastoris, de extrema beleza, tratados como refúgio em oposição ao tumulto das cidades (Fugere Urbem). No Brasil, o Arcadismo manteve-se vivo entre os poetas de Minas Gerais, especialmente em Cláudio Manoel da Costa, Basílio da Gama, Santa Rita Durão, Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga.
Como inconfidentes Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga foram julgados e presos. O movimento foi delatado e os inconfidentes foram presos: Costa foi interrogado apenas uma vez e a versão oficial para a sua morte é suicídio; Gonzaga foi exilado na costa da África; Tiradentes foi enforcado e os pedaços de seu cadáver espalhados pela Estrada Real do Rio de Janeiro até Minas Gerais para que servisse de exemplo aos adeptos da insurreição.
Pedro Américo. Tiradentes Esquartejado (1893)
Cecília Meireles, poetisa modernista, homenageou os inconfidentes em sua célebre obra Romanceiro da Inconfidência. Um dos mais belos trechos é aquele em que a autora nos fala sobre a bandeira que foi símbolo do movimento e hoje é usada pelo estado de Minas Gerais.
O dístico entorno do triângulo foi copiado de um verso do poeta latino Virgílio e os inconfidentes o traduziram como “Liberdade ainda que tardia”.
Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência
Cecília Meireles
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
— e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras:
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à espreita,
caras disformes de insônia,
vigiando as ações alheias.
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas,
como peludas aranhas
na gosma das teias densas,
rápidas e envenenadas,
engenhosas, sorrateiras
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns, mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e Horácio,
e refletem, e argumentam,
falam de minas e impostos,
de lavras e de fazendas,
de ministros e rainhas
e das colônias inglesas.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
há levante, com certeza.
Corre-se por essas ruas?
Corta-se alguma cabeça?
Do cimo de alguma escada,
profere-se alguma arenga?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade?
Um gênio a quebrar algemas?
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergílio…”
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam…”
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus — pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).
Vinícius de Moraes, em Pátria Minha, também fez uma referência ao movimento mineiro:
Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!
A Inconfidência não é o único fato histórico abordado pela literatura brasileira. Como reflexo da sociedade, a literatura retrata de maneira peculiar temas do interesse de cada época: Machado de Assis abordou sutilmente a transição da monarquia para a república, do mesmo modo, narrou a euforia da população diante do Paço Imperial enquanto a Princesa Regente assinava a Lei Áurea; Érico Veríssimo contou, em uma epopéia, a formação do Rio Grande do Sul. A nós, professores de Língua e Literatura, cabe ensinar nossos alunos a olhar o texto literário como retrato social.
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Leia mais :
Pátria Minha,de Vinícius de Morais (texto completo)
Fontes de pesquisa:
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 33.ed. São Paulo: Cultrix, 1999.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura brasileira. 16 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
eu sei mto sobre tiradentes por que eu escutei projota #escutemProjta
Olá, Andréa! Como sempre, as suas postagens são perfeitas. Um abraço!