Língua Portuguesa

Estrangeirismos: o que fazer com eles?

Os  empréstimos   lexicais  são chamados   popularmente  de  estrangeirismos  e correspondem  às  palavras emprestadas de   uma  língua e  usadas  em outras. Esses  empréstimos resultam de  relações  políticas, culturais ou  qualquer outra que  marque a influência  de um povo sobre  outro; normalmente essas  influências se  evidenciam  na   constituição do   vocabulário.

Desde  o início de  sua   formação, a  língua  portuguesa sofreu  influência de  outras    línguas:  o provençal, o espanhol e  tantas   outras. Nos   dias  atuais,  a    língua da qual o português mais   importa  vocábulos  é a  língua inglesa, por questões  políticas  e econômicas. Muito   já  se   discutiu acerca destes empréstimos  e o seu  uso  na   língua  escrita. Por  muito tempo, os  puristas consideraram   uma agressão à   gramática o   uso de   vocábulos  estrangeiros. Na   França, por exemplo, uma   lei de 1994  proíbe a  utilização  de  palavras   inglesas

 

O fim da  Segunda Guerra  Mundial, em  1945,   marcou   o  boom da influência do inglês no Brasil. Com a  cessação  dos conflitos, os  contatos comerciais entre  Brasil e  Estados Unidos aumentaram e a  cultura  americana   invadiu  o país através da  música e do  cinema.  Com  o crescimento  econômico dos  Estados Unidos,  a   dominação   linguística  tornou-se ainda  mais evidente.

 

Se o  uso  da   língua estrangeira   é   inevitável, como   proceder, então,  ao  redigir um   texto?

 

  1. Em textos  formais, evite o emprego  de   vocábulos   estrangeiros se   houver   uma palavra  equivalente  em português.
  2. Nas  resenhas   críticas, livros e  outros   textos, transcreva  a   tradução corrente em  português; se    for  preciso, coloque o   título  original  entre parênteses.Se  não  houver  uma   tradução  corrente, use  o  título original, porém  indique ao  leitor o que ele   significa, a não ser  que  seja    um   termo conhecido:  Rolling Stones,   The   Beatles.  Exemplo:  “E o  vento  levou” (Gone  with   the  wind) é   um filme de   1939.
  3. Se o   uso do   vocábulo estrangeiro   for mesmo necessário, escreva-o  entre aspas  ou  em   itálico. Caso não seja uma  palavra  conhecida do grande  público, como  as de   jargão profissional, é   sinal de   boa  educação  traduzi-la  entre parênteses.
  4. Algumas  palavras  estrangeiras    já   foram   incorporadas ao   léxico da  língua portuguesa e  não  há, portanto, necessidade de  tradução.   Ex:  skate, videogame.

 

No  final do  século  XIX, o gramático Castro  Lopes  protestou  contra o  uso de empréstimos da   língua  francesa, chamados  de   galicismos.   Como proposta  para  frear  os empréstimos,  o   latinista   criou uma  lista  de  vocábulos para    substitui-los:  lucivéu (abajur);  runimol (avalanche); joalheria (bijuteria); calçada (boulevard); alvissareiro (repórter).  Em resposta a  Castro Lopes,  Machado de  Assis  escreveu o trecho da crônica  “Bons dias!”.

 

Bons dias!

 

Pego na pena com bastante medo. Estarei falando francês ou português? O Sr. Dr. Castro Lopes, ilustre latinista brasileiro, começou uma série de neologismos, que lhe parecem indispensáveis para acabar com palavras e frases francesas. Ora, eu não tenho outro desejo senão falar e escrever corretamente a minha língua; e se descubro que muita coisa que dizia até aqui, não tem foros de cidade, mando este ofício à fava, e passo a falar por gestos.

 

Não estou brincando. Nunca comi croquettes, por mais que me digam que são boas, só por causa do nome francês. Tenho comido e comerei filet de boeuf, é certo, mas com restrição mental de estar comendo lombo de vaca. Nem tudo, porém, se presta a restrições; não poderia fazer o mesmo com as bouchées de dames, por exemplo, porque bocados de senhoras dá idéia de antropofagia, pelo equívoco da palavra. Tenho um chambre de seda, que ainda não vesti, nem vestirei por mais que o uso haja reduzido a essa simples forma popular a robe de chambre dos franceses.

 

Entretanto há nomes que, vindo embora do francês, não tenho dúvida em empregar, pela razão de que o francês apenas serviu de veículo; são nomes de outras línguas. E todo o mal não é a origem estrangeira, mas francesa. O próprio Dr. Castro Lopes se padecer de spleen, não há de ir pedir o nome disto ao general Luculo; tem de sofrê-lo em inglês. Mas é inglês. É assim que ele aprova xale, por vir do persa; conquanto, digo eu, a alguns parece que o recebemos de Espanha. Pode ser que esta mesma o recebesse de França, que, confessadamente, o recebeu de Inglaterra, para onde foi das partes do Oriente. Schawl, dizem os bretões; a França não terá feito mais que tecê-lo, adoçá-lo e exportá-lo. Deslindem o caso, e vamos aos neologismos.

 

Cache-nez, é coisa que nunca mais andará comigo. Não é por me gabar; mas confesso que há tempos a esta parte entrei a desconfiar que este pedaço de lã não me ficava bem. Um dia procurei ver se não acharia outra coisa, e andei de loja em loja. Um dos lojistas disse-me, no estilo próprio do ofício:
— Igual, igual não temos; mas no mesmo sentido, posso servi-lo.

 

E, dizendo-lhe eu que sim, o homem foi dentro, e voltou com um livro português, antigo, e ali mesmo me leu isto, sobre as mulheres persianas: “O rosto, não descobrem nunca fora de casa, trazendo-o coberto com um cendal ou guarda-cara…”

 

— Este guarda-cara é que lhe serve, disse ele. Cache-nez ou guarda-cara é a mesma coisa; a diferença é que um é de seda, e o outro de lã. É livro de jesuíta, e tem dois séculos de composição (1663). Não é obra de francelho ou tarelo, como dizia o Filinto Elísio.
Sorriu-me a troca, e estive a realizá-la, quando me apareceu o focáler romano, proposto pelo Sr. Dr. Castro Lopes; e bastou ser romano, para abrir mão do outro que era apenas nacional.

 

O mesmo se deu com preconício, outro neologismo. O Sr. Dr. Castro Lopes compôs este, “porque a todos os homens de letras que falam a língua portuguesa, foi sempre manifesta a dificuldade de achar um termo equivalente à palavra francesa reclame”.

 

Confesso que não me achei nunca em tal dificuldade, e mais sou relojoeiro. Quando exercia o ofício (que deixei por causa da vista fraca), compunha anúncios grandes e pomposos. Não faltava quem me acusasse de fazer reclame para vender os relógios. Ao que eu respondia sempre:

 

 

— Faça-me o favor de falar português. Reclamo é o que eu emprego, e emprego muito bem; porque é assim que se chama o instrumento com que o caçador busca atrair as aves; às vezes, é uma ave ensinada para trazer as outras ao laço. Se não quer reclamo, use chamariz, que é a mesma coisa. E olhe que isto não está em livros velhos de jesuítas, anda já nos dicionários.

 

Contentava-me com aquilo; mas, desde que vi o recente preconício, abri mão de outro termo, que era o nosso, por este alatinado.

 

Nem sempre, entretanto, fui severo com artes francesas. Pince-nez é coisa que usei por largos anos, sem desdouro. Um dia, porém, queixando-me do enfraquecimento da vista, alguém me disse que talvez o mal viesse da fábrica. Mandei logo (há uns seis meses) saber se havia em Portugal algumaluneta-pênsil das que inventara Camilo Castelo Branco, há não sei quantos anos. Responderam-me que não. Camilo fez uma dessas lunetas, mas a concorrência francesa não consentiu que a indústria nacional pegasse.

 

Fiquei com o meu pince-nez, que, a falar verdade, não me fazia mal, salvo o suposto de me ir comendo a vista, e um ou outro apertão que me dava no nariz. Era francês, mas, não cuidando a indústria nacional de o substituir, não havia eu de andar às apalpadelas. Vai senão quando, vejo anunciados os nasóculos do nosso distinto autor. Lá fui comprar um, já o cavalguei no nariz, e não me fica mal. Daqui a pouco, ver-me-ão andar pela rua, teso como um petit-maitre… Perdão, petimetre, que é já da nossa língua e do nosso povo.

 

Boas noites.

 

 

 

Fontes de pesquisa:

 

ASSIS, Machado de. Obra Completa. Disponível  em: http://portal.mec.gov.br/machado/arquivos/html/cronica/macr11.htm . Acesso em   24/02/2009.

 

FARACO, Carlos  Alberto; TEZZA, Cristovão.  Oficina  de   Texto.  2.ed. Petrópolis:  Vozes, 2003.

 

RIBEIRO, Manoel  Pinto.   Gramática Aplicada da  Língua Portuguesa – A  construção dos sentidos. 18.ed. Rio de  Janeiro:  Metáfora,   2009.

6 Comments

    1. Márcio, se tais vocábulos estiverem escritos em sua língua de origem a concordância será feita de acordo com a língua original. Se estiverem aportuguesados, far-se-á de acordo com a língua portuguesa.

      1. E quando não há como concordar gênero baseando-se na língua original? As palavras do inglês, em sua grande maioria, não possuem masculino ou feminino. Como saber o certo?

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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