Educação Linguística

O que o “bilete” do Gabriel Lucca pode nos ensinar sobre letramento

O  menino Gabriel  Lucca, 5 anos,  ficou  conhecido na última semana devido a  um bilhetinho  bastante inusitado que entregara à  mãe.  O  texto  era um aviso  de que as aulas seriam  suspensas no dia seguinte. A mãe mostrou  o  bilhete à professora  e esta, com permissão da responsável,  publicou o texto nas redes sociais. Foram centenas de compartilhamentos e o recadinho  foi  parar até nos  portais de notícias.  O menino levou  uma bronca da mãe pela ousadia, mas  nos  ensinou  muito  sobre letramento.

Em seu  perfil,  a  mãe do  Gabriel diz ter sido  muito julgada pelo  fato de o  garotinho  ter usado  esse  recurso  para — como  dizemos  aqui  no  Rio de Janeiro — matar aulas. Eu, que sou  professora há  mais de duas décadas, vi  algo  mais  no episódio: o menino, que está  na fase da alfabetização, não  só  aprendeu o que é um bilhete, mas também quais são as práticas sociais em que ele  é usado.

Kleiman (2005) afirma  que  alfabetização é a  “capacidade de  o  indivíduo  dominar o código alfabético e comunicar-se por  meio da  escrita” (p. 10). Soares (2012) considera que é “a aquisição da tecnologia do ler e escrever” (p.22)  Ao  uso social que fazemos da  leitura e da escrita chamamos de  letramento — termo que apareceu,  pela primeira vez, na literatura educacional  brasileira em  1986, quando  a professora  Mary Kato publicou  seu  livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística.  Nesse contexto de letramento, ao  professor caberia a  promoção de  práticas de leitura e escrita, cujo objetivo seria também  desenvolver  a percepção sobre os  diversos  textos  e  os  contextos em que são utilizados.

Reprodução: Facebook

O Gabriel entendeu  (e muito  bem!)  a estrutura e a função social desse gênero  textual: enviar, por meio da escrita,  um recado a alguém. Um outro  detalhe que chama a nossa atenção é a maneira como o garotinho  escreveu  o  textoNós podemos  perceber  — na escrita de Senhores, amanhã, Paulinha, assinado, esse — que o Gabriel e seus amigos  já  foram apresentados aos dígrafos (encontro de duas letras que  representam  um único  fonema). Por que, então, ele  escreveu bilete em vez de  bilhete? A resposta é  simples: provavelmente, escreveu  o  mais  próximo  daquilo que ele julga ouvir e, talvez, daquilo que ele diga. O mesmo  podemos  pensar sobre o uso de   paes em vez de pais. Não  podemos esquecer: ele é uma criança de 5 anos; está, portanto, desenvolvendo a fala, a leitura e a escrita.

Leia também no blog:

Ser criança leitora


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Referências:

KATO, M.  No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 3.ed. São Paulo: Ática, 1990.

KLEIMAN, A.  Preciso “ensinar” o  letramento?  Não  basta ensinar a  ler e a escrever? Campinas: Unicamp, 2005. (Coleção Linguagem  e Letramento em Foco).  Disponível  em <http://www.iel.unicamp.br/cefiel/alfaletras/biblioteca_professor/arquivos/5710.pdf>. Acesso em 01 set 2018.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 3.ed. Belo  Horizonte: Autêntica, 2012.

6 Comments

  1. Interessante a escrita toda em letra de forma, parece que também chamada “bastão” (confere?). Fui alfabetizado com base na letra cursiva, no ano em que completei sete anos de idade. No ano anterior, cursei a chamada pré-alfabetização. Não tive, graças a Deus, dificuldades.

  2. amei! não estava sabendo do “biletinho”!
    Que fofo!
    Sem dúvida ele está por dentro da função de um bilhete!

    Espero que ele continue assim sabendo se comunicar (coisa rara hoje), e expanda para outros meios de comunicação, para não ficar só em whats!

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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