Educação

Eu preciso falar sobre o caso Marielle Franco

Na quarta-feira, dia 14 de  março de 2018,  a vereadora do Rio de  Janeiro, Marielle Franco, foi morta no  Estácio, bairro central  da capital fluminense, após  sair de um evento organizado  por  mulheres negras na Casa das Pretas.  Era pesquisadora e  ativista de Direitos  Humanos.

A Marielle era fruto de uma Educação de resistência; ela foi  aluna de  um pré-vestibular comunitário no  Complexo da Maré  em  1998. Ontem,  dia  15/03, fiquei  sabendo  que  aquele  curso  era  um núcleo do EDUCAFRO (um projeto educacional da Igreja Católica e idealizado por  Frei  David dos Santos). O  projeto  começou com o título significativo “Pré-vestibular comunitário para negros  e carentes”, justamente porque esses não conseguem  acesso às universidades  públicas  de qualidade. Era preciso, então, educá-los para chegar lá! Eu  também sou EDUCAFRO:  atuo como  professora voluntária no  núcleo Padre  José Maurício Nunes Garcia. Direitos  Humanos é disciplina  obrigatória no projeto desde a sua idealização por  Frei  David  (está  na  grade como  “Cultura e Cidadania”).  A Marielle foi  ativista de  direitos  humanos e  ─ caso  você não saiba ─  Educação é  um  dos  Direitos  Humanos, assim como a saúde, a moradia, a segurança pública, o  salário digno, a religião, a liberdade de expressão.  A  referência à  Educação como meio para mudança  de  vida e de perspectiva de  vida  na Maré e no  resto da cidade está  em  seu  vídeo de campanha.

Se não conseguir visualizar o  player, assista no YouTube.

Não existe  Educação  possível em comunidade carente sitiada pelo  medo! Não existe Educação  possível em comunidade carente onde  aluno precisa  se abaixar entre as carteiras  com  medo de bala perdida! Não existe Educação  possível com  criança que  passou  a  noite em  claro, com  medo de tiroteio! Não existe Educação  possível em comunidade onde o  professor recebe notícia de aluno  morto  por bala perdida, ou  pelo  tráfico ou…

Eu  li muitos posts no  Facebook desqualificando a comoção de quem  chorou por Marielle: “Onde  estava essa comoção pelos  chefes de  família?”.  Lamentei  por quem postou  frases do  tipo; lamentei profundamente… Lamentei, porque essas pessoas não entenderam  nada! Outras disseram: “Até ontem ninguém sabia quem era  ela.  Estão chorando  pela vereadora!”. Lamentei  por esses também e por sua desonestidade  intelectual.  Amigo, ninguém  está chorando pela “vereadora”! Ninguém  está fazendo “esse estardalhaço todo” só pela vereadora! E não, não  é que “até  ontem ninguém sabia quem era ela”. Deixe-me explicar bem didaticamente: estamos chorando  por uma VIDA que  se perdeu; estamos chorando  por uma LUTA que tentaram  parar; por uma VOZ que tentaram  calar!

Quanto ao  estardalhaço, tentarei explicar também: sabe qual é a diferença entre a morte da   Marielle e as outras mortes  violentas? Uma vereadora foi  morta e essa morte não conseguiram  esconder ou publicar só em   notinha na página 15 do  jornal.   Você tem  razão: todo dia morre gente, mas  quase todas as outras mortes  são ocultadas, esquecidas, sequer noticiadas. A quem interessa esse silêncio? A quem  serve esse silêncio? A quem  beneficia esse silêncio? Se você não consegue entender que esses  eram  os  questionamentos da Marielle, então VOCÊ  não entendeu  nada!

E por que estou falando da Marielle e Direitos  Humanos em  um blog sobre língua  portuguesa? Já  falei:  primeiro,  porque Educação é um  dos direitos  humanos e, segundo, porque o  nome deste blog é  Conversa de  Português: Língua Portuguesa. Literatura. EDUCAÇÃO.


Atualização em 2019:  Deixei o  Pré-vestibular José  Maurício em julho de  2018.

26 Comments

  1. É a primeira vez que entro no seu blog e me deparo com um texto tão forte.Infelizmente, a sociedade está cheia de pessoas que não se preocupam com a vida, acom luta e consequentemente, com o próximo. Parabéns!!!!

  2. Nossa, Andréa! Que maravilha!!! Tenho um orgulho enorme de você e da diferença que faz neste mundo, enchendo-o de significado e sentido. Obrigada por ser uma das milhares de vozes da Senzala que a Casa Grande não conseguirá calar. O sangue de Marielle não foi derramado em vão e, de suas sementes, árvores frondosas serão geradas. Parabéns pelo belíssimo texto, minha querida!

  3. Perfeito, amiga Andréa Motta! E é leviano dizer que ninguém a conhecia. Marielle teve quase 50 mil votos em primeiro mandato. Era a voz e a vez de indivíduos à margem, sem voz e sem vez, numa sociedade que menospreza a comunidade e prega tanto investimento em segurança, mas quer estado mínimo e meritocracia, justamente para essas pessoas não galgarem oportunidades. Aí, quando aparece alguém que coloca a “boca no trombone” e cobra justiça para essas pessoas… Acontece o que lamentável vivenciamos no último dia 14 de março! Ótimo texto, grande abraço!!!

  4. Como sempre, texto muito didático! Se alguém ler esse texto e continuar não entendendo, precisa aprender a ler de novo!
    Parabéns pela sua iniciativa como professora voluntária. É de pessoas como você que o mundo precisa.

  5. Muito bem colocado e explicado, quem não quer enxergar o que isso representa é porque não conhece e não quer enxergar essa triste realidade da população marginalizada da “cidade maravilhosa”

  6. Emocionada ao ler, porque queria ser a autora.
    Hoje ouvi muitos comentários do tipo não fosse negra, se não fosse do LGBTs, do movimento negro não haveria tamanha comoção.
    Esquecendo-se de calaram uma voz jovem, calaram uma guerreira, calaram uma mãe
    Somos todos Marielle
    Parabéns professora

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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