Educação Podcast

[ConversaCast #8] O direito à Educação

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Artigo XXVI: “Todo homem tem direito à instrução…”

(Declaração Universal dos Direitos do Homem, 10/12/ 1948)

A leitura desse artigo da Declaração Universal dos Direitos   Humanos faz-me lembrar também da  Lei de Diretrizes e  Bases  da  Educação Nacional (LEI  Nº 9394, de 20 de dezembro de  1996), que orienta os profissionais da  Educação na melhor realização da sua tarefa. Por  outro lado, recorda-me a  quantidade de meninas e meninos ainda distantes  das escolas; um número expressivo demais  para um país  do tamanho  do  Brasil.

Segundo o  relatório emitido pelo  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em  dezembro de  2016,  são  quase 12 milhões de  analfabetos  (considerando-se apenas a faixa etária  a partir dos  15 anos).  O documento considerou  os levantamentos de  dados feitos no período de 2011 a 2016, apesar de  uma queda considerável nesse  intervalo.

Os índices de escolaridade, informados por institutos de pesquisa, mostram que a educação ou a falta dela influencia em outros índices: desemprego, violência nas ruas, violência doméstica, desnutrição. Ao fazer a pesquisa sobre este tema, encontrei diversos trabalhos acadêmicos que propunham a associação da taxa de escolaridade a outros índices.

Fonte: Observatório do PNE.

Retomo o preâmbulo da Declaração e pego emprestada a palavra dignidade (“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo…”) e busco em minha memória um grupo de idosos que passaram pela minha vida um dia.

Em 1998, participei de um projeto de alfabetização de adultos  na Matriz de Santa Rosa de Lima no  Rio de Janeiro.  Esse  trabalho surgia como resultado das reflexões suscitadas pela Campanha da Fraternidade daquele ano e cujo  tema era “Fraternidade e Educação”. Para surpresa daqueles que se envolveram com o trabalho, as turmas estavam cheias de pessoas idosas que sequer sabiam desenhar seus nomes; contavam-nos a humilhação de colocar o polegar na tinta preta em vez de segurar uma caneta.

Antes de iniciarmos o  projeto, nosso  pároco (Monsenhor  Luiz Antônio Pereira Lopes, pedagogo por  formação) providenciou  um treinamento  para os paroquianos que se  dispuseram a participar do projeto.  Usávamos, para realizar nosso trabalho, as palavras geradoras do mestre Paulo Freire, o que significa dizer que em seis meses aqueles alunos estariam lendo razoavelmente. Alguns desses velhinhos jamais saíram de minha cabeça! Um deles (a quem chamarei de João) era ajudante de caminhão em uma loja de materiais de construção. Seu João ia no caminhão amontoado sobre os tijolos que deveria ajudar a entregar. Um belo dia, entrou pela minha sala de peito estufado: “Professora, fui promovido! Agora vou na boleia lendo os endereços para o motorista!

O que me causa arrepios mesmo é uma senhora a quem chamarei de Maria. Dona Maria, sem a dignidade que a instrução nos dá, ia à escola (assim eles chamavam nossos encontros na igreja: escola!) com os cabelos desalinhados, a roupa um tanto amassada, ombros caídos e a certeza de que aquilo tudo era uma “baboseira” só. Certo dia, apareceu em roupas de festa, maquiada, colares, pulseiras, cabelo escovado no salão: “Professora, a gente não é mais analfabeto não, né?” Indaguei o porquê daquela pergunta, se já estudávamos há tanto tempo e ela estava se saindo tão bem. Dona Maria abriu um sorriso lindo e disse com muita dignidade: “Eu hoje fui à farmácia e comprei sozinha xampu para cabelos secos!

Eu não sei mais do Seu João nem da Dona Maria; não faço idéia do que fizeram depois disso ou se estão vivos. Sei de outros: uma delas virou leitora constante nas missas de domingo e se matriculou em curso supletivo para completar, pelo menos, os estudos até a quarta série do Ensino Fundamental; sua ida para uma escola de verdade motivou algumas de suas colegas a seguirem o mesmo caminho e muitas vezes as vi com o uniforme da escola.

A história é muita antiga, mas ainda há muitos joãos, marias e josés que não sabem segurar um lápis. Não estou mais nesse projeto em minha paróquia, no entanto, ele ainda resiste em muitos lugares e sempre há novas pessoas buscando sua identidade através da Educação. Analfabetismo é uma situação inadmissível para uma cidade como o Rio de Janeiro, para um país como o Brasil.

Leia mais  no  blog:

Por que  eu lamento  pelo Museu da Língua  Portuguesa?

Eu não gosto de  política

Nota: Este texto  é uma atualização de outro  publicado pela  primeira vez  em 10 de dezembro de  2007 em  meu  blog Leio o Mundo  Assim,  que teria completado  10  anos em 2017,  mas  está desativado desde 2012.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.  Perfil dos municípios brasileiros em 2015.  Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2015/>. Acesso em 14 jan 2018.

_______.  Pesquisa nacional por  amostra de domicílios. Disponível em:  <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/pesquisa_resultados.php?id_pesquisa=40>. Acesso em  14 jan.  2018

OBSERVATÓRIO DO PLANO NACIONAL DE  EDUCAÇÃO.  Alfabetização e alfabetismo funcional de  jovens e adultos. Disponível em http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/9-alfabetizacao-educacao-jovens-adultos/indicadores. Acesso em  14 jan 2018.

1 Comment

  1. Meu deus, foi com muitas lágrimas nos olhos que ouvi este áudio sua voz balbuciada de emoção relatar tão emocionantes histórias de pessoas que foram agraciadas por sua ajuda. Tive conhecimento desse áudio neste exato momento e vim depressa conferir, pois tudo que se refere a educação me interessa.
    Eu, atualmente, ensino pessoas idosa a lidar com o mundo digital e meu aluno mais novo tem 72 anos o meu queridinho é o Sr. Mário de 93 anos. Para mim não existe nada no mundo que me dê tanta alegria do que ver nos olhos deles a felicidade de estarem descobrindo um mundo novo, para eles, que é o da informática.
    A história mais triste que presenciei foi de uma filha falar para a mãe que ela não aprenderia nada que computador e celular eram demais para ela. Essa sra. com lágrimas nos olhos me olhou com um olhar tão profundo como se me pedisse ajuda e que eu não desistisse de ajudá-la. Há, são tantas as histórias. Muitas triste, outras alegres, mas não dá para relatar todas elas. Para mim não existe nada mais gratificante do que um olhar de agradecimento de alguém que eu ajudei a aprender algo ou mesmo uma profissão. Eu amo ajudar o próximo e acredito que devemos ensinar as pessoas a pescar e não da o peixe pronto só para comerem.

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Andréa Motta

Professora de Língua Portuguesa , Literatura e Formação do Leitor Literário no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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